Casamentos são contratos de que os envolvidos podem desobrigar-se quando quiserem, diz a certa altura Lucy Mason, a personagem central de “Amores Materialistas”. Ela realmente parece acreditar no que prega às clientes que recorrem a seus serviços em busca de um príncipe encantado, de tal forma que vai deixando-se seduzir pela ideia de também viver um conto de fadas, até ser atropelada por suas lembranças do amor verdadeiro. No mais recente filme da sul-coreana-canadense Celine Song não há espaço para ligeirezas, ainda que a diretora-roteirista esgrima com toda a graça os assuntos incômodos que quer botar à mesa. Um ano depois de receber as indicações ao Oscar de Melhor Filme e Melhor Roteiro Original por “Vidas Passadas” (2023), Song é, sem dúvida, uma das realizadoras mais criativas e inteligentes de Hollywood, o que fica mais e mais evidente cena após cena deste drama romântico intenso, ao longo do qual não tem nenhum pejo de estraçalhar ilusões pequeno-burguesas a respeito do mais avassalador (e humano) dos sentimentos.
Song não manifesta interesse nenhum em alimentar as fantasias amorosas de ninguém, e, ao contrário, faz questão de, com toda a delicadeza, jogar um balde de água gelada no conforto escapista que guia muitos para um ciclo de sofrimento desnecessário e estúpido. Para ela, o amor nada tem de romântico, mas é um campo de tensões duradouras entre desejo e carências, a começar, claro, pelas da matéria. Esse conceito galvaniza-se nas duas pontas na figura de Lucy Mason, uma casamenteira profissional em ascensão cujo segredo é convencer a freguesia de que para um relacionamento ser exitoso basta os dois preencherem o maior número de requisitos — de preferência todos. Lucy cerca-se de uma espécie de protocolo, presta atenção às respostas que escuta das mulheres que assessora, mas sempre está sujeita a uma ou outra emboscada. No nono casamento do currículo, consagração de sua habilidade para juntar corações infelizes e contas bancárias sedutoras, a moça encontra Charlotte, a noiva, debulhando-se em lágrimas porque não sabe se está se casando por sua própria vontade ou para não desapontar a família e ser a vergonha de todos. Louisa Jacobson Gummer, estrela de “A Idade Dourada” (2022-2025) e filha de Meryl Streep, protagoniza uma das cenas mais poderosas do longa, preparando o enredo para a virada que leva a história aonde deve chegar.
Lucy não sofre nenhum malogro na reputação, a cerimônia acontece e depois os convidados encaminham-se para o salão glamoroso onde têm direito a usufruir de um lauto jantar. É aí que ela conhece Harry Castillo, o milionário irmão do noivo, um verdadeiro unicórnio no jargão do métier. Bonito, alto, sofisticado e dono de uma cobertura de catorze milhões de dólares em Tribeca, ele parece genuinamente interessado em Lucy e investe pesado, com a licença do trocadilho, na conquista. Dakota Johnson e Pedro Pascal fazem um par cinematograficamente vistoso, mas os esforços da diretora passam longe da simplificação grosseira. Um dos funcionários do bufê é John Pitts, um ex-namorado de Lucy, e sua aparição no banquete é o suficiente para empurrá-la num torvelinho de memórias, boas e nem tanto. O que resta de “Amores Materialistas” é uma gradação das epifanias de Lucy, fazendo descobertas nada prazerosas sobre não ser capaz de amar a boa vida que poderia ter ao lado de Harry e crer que será feliz com John, um pobretão que ainda tenta deslanchar como ator. Depois de dar vida ao Capitão América na franquia do Universo Cinematográfico da Marvel, Chris Evans arrisca-se em trabalhos mais densos, nos quais vem se saindo melhor que a encomenda. Já se sentia sua intenção de explorar outras facetas de seu talento desde o ótimo “Antes do Adeus” (2014), também dirigido por ele, e aqui Evans flutua entre a hesitação de Lucy e as incertezas de John, tirando a narrativa do marasmo. Da mesma forma que o baile no casamento de Charlotte, uma insana viagem de carro sela o destino dos pombinhos, e Celine Song diz o que pretendia, afinal: dinheiro compra tudo, exceto o que mais importa.
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