Segunda maior bilheteria da A24, “Fale Comigo”, terror que marcou a estreia dos irmãos australianos Danny e Michael Philippou no cinema, foi produzido com um orçamento de 4,5 milhões de dólares e obteve cerca de 92 milhões em bilheteria mundial, marcando um retorno expressivo, especialmente para estreantes. O longa-metragem, em grande parte, recebeu financiamento público direcionado ao audiovisual. Recentemente, os irmãos lançaram o longa “Bring Her Back”, também um fenômeno de crítica.
Fazer cinema de terror sem ser ridículo, exagerado ou grotesco não é nada fácil. No entanto, os irmãos Philippou conseguiram trazer um frescor ao gênero, redefinindo os limites do medo e do macabro para as telas. No enredo, conhecemos a protagonista Mia (Sophie Wilde, em sua estreia à frente de um elenco), melhor amiga de Jade (Alexandra Jansen) e de seu irmão, Riley (Joe Bird). Mia é ex-namorada do atual namorado de Jade, Danny (Otis Dhanji), o que causa alguns momentos de competitividade entre as amigas. A mãe de Mia faleceu recentemente, fazendo com que ela se aproximasse da família de Jade.
Quando um dos garotos do grupo de amigos oferece uma mão embalsamada para fazer rituais de possessão maligna, os adolescentes passam a se reunir eventualmente para uma espécie de “jogo macabro”, em que ficam conversando com os espíritos. No entanto, quando Riley, o mais jovem do grupo, pede para experimentar a possessão, as coisas fogem do controle.
O longa-metragem aborda temas como luto, trauma e o desejo de conexão. Riley, ao participar da sessão, acaba incorporando a mãe morta de Mia, que passa a tratar os rituais como uma forma de se reconectar com ela e preencher o vazio deixado pela perda. Além disso, a mão oferece uma espécie de “barato” aos adolescentes, com ondas de excitação, picos de adrenalina pela sensação do perigo e ultrapassando os limites de segurança. Experimentar a possessão alivia, para eles, temporariamente a dor e o vazio existencial. A destruição do corpo de Riley é uma demonstração de como o vício em drogas consome o organismo.
O grupo ainda filma as possessões e posta nas redes sociais, fazendo com que o enredo dialogue com a geração de adolescentes da atualidade, aproximando-se da realidade do público que assiste ao filme. E, ainda que o filme não questione a veracidade das possessões, é possível que a visão dos espíritos seja muito mais fruto da imaginação da mente de Mia, já perturbada pela perda da mãe, como um reflexo da depressão e da psicose que a afeta.
Pelo lado técnico, a câmera faz questão de se aproximar dos rostos dos atores durante as possessões para destacar os olhos dilatados, os vasos sanguíneos aumentados e o suor dos corpos. Sons distorcidos, cores fortes e cenas aceleradas dão a sensação de uma invasão de outro mundo. Close-ups nos possessos e ângulos médios nos adolescentes que observam para captar as reações de todos, além de diálogos em overlap (uns sobre os outros), o som cru do impacto da cabeça de Riley sobre o móvel, câmeras trêmulas e planos-sequência deixam o espectador em alerta, com medo e apreensivo. O fim ainda deixa gancho para uma sequência, mesmo que o ciclo de Mia, Jade e Riley tenha se fechado.
“Fale Comigo”, assim como “Bring Her Back”, é um terror pesado, que não deve ser consumido por qualquer pessoa. Possui gatilhos e cenas explícitas de violência gritante. Apesar disso, não é vazio de significados, mensagens e símbolos. Não é sem nuances e nem deixa pontas soltas, marcando uma estreia impecável dos Philippou no circuito do terror.
★★★★★★★★★★