Por definição, o amor rompe barreiras e desafia normas, revelando a urgência do homem por conexões. Valores tradicionais, por seu turno, movem-se na contramão do amor, oferecendo estabilidade e uma cômoda sensação de pertencimento, capaz de transformar a singularidade de alguém, limitando-o a tal ponto que o deforma. Sociedades levantam-se do delicado antagonismo entre a necessidade do sentimento e a conservação do que é entendido como primordial à convivência harmoniosa dos indivíduos, e o choque, violento, quase sempre, entre um e outro campo presta-se a separar os corajosos e aqueles que irão manter a cabeça baixa. Comédias românticas fazem girar a roda da economia numa velocidade admirável, mas as boas comédias românticas têm algum poder quanto a reoxigenar o imaginário coletivo sobre o amor, as relações e o mais banal dos laços humanos. Esse é o caso de “Ela Disse Talvez”, uma produção germano-turca sobre o conflito entre dinheiro, afetos e as tais bases seguras do casamento. Em 107 minutos, a turca Buket Alakuş e o vietnamita Ngo The Chau contam uma história de segredos familiares, crises existenciais, uma difícil reconciliação com o passado e a escolha entre amar e satisfazer vontades alheias.
A idealização do amor bate de frente com as várias imperfeições humanas. A comunicação acaba sendo um obstáculo quando silêncio e mal-entendidos não tardam a degringolar em mágoa, e o implacável tempo manda que o amor descubra um jeito de vencer a rotina e reinventar-se. Amar, todos sabemos, exige, antes de mais nada, maturidade. O bom amor tem que ser também razão, uma escolha consciente diante das dificuldades que sempre aparecem. O impasse entre ser fiel a si mesmo e ser leal às expectativas da mãe e de sua comunidade tortura Mavi, uma jovem arquiteta criada em Hamburgo, na Alemanha. Durante uma viagem à Turquia, ela descobre que faz parte de uma família de grande influência, e cabe-lhe o quinhão de um império. A mocinha vivida por Beritan Balcı não parece nem um pouco impressionada pela fortuna que pode herdar um dia, e prefere investir no noivado com Can, que escolheu pedir-lhe a mão de um modo bastante original. Numa tirolesa, com direito à videochamada da qual as famílias dos dois participam, Can faz a pergunta matadora; entretanto suas chances do esperado sim despencam junto com a pretendente, um presságio da espiral de contratempos que abater-se-á sobre ele.
O roteirista Ipek Zübert leva o enredo para Istambul fixando-se na personagem de Balcı, mas abrindo o leque para outras figuras mais estimulantes. Uma imagem acende a suspeita de Aynur de que a filha vai passar por um grande dissabor no transcorrer dos dez dias na terra de seus antepassados, e Ilknur Boyraz responde por muitos dos lances mais orgânicos de “Ela Disse Talvez”, ao passo que Meral Perin reproduz velhos estereótipos como Yadigar Bilgin, a avó megera da protagonista. A química entre Balcı e Sinan Güleç, a melhor coisa aqui, não tem o condão de livrar a trama da mesmice própria do gênero, como se as comédias românticas turcas tivessem de ser o passeio num balão colorido num dia de céu brilhante.
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