Por que os gênios buscam a solidão? A resposta para essa pergunta é difícil; entretanto, todos sabemos que a sociedade tem um prazer mórbido de excluir quem desvia um milímetro sequer do padrão, criando nichos de gente que nunca se tocam. Figuras como Henry David Thoreau (1817-1862), Liev Tolstói (1828-1910), Mark Twain (1835-1910) ou Jack London (1876-1916) ousaram rejeitar o mundo e sua inquietação deu à luz uma obra que não se exaure. Distanciamento, renúncia, abandono a si mesmo são condições por demais sedutoras para alguém que não se verga às vontades presunçosos dos sabidos, e Christopher Johnson McCandless (1968-1992) mergulhou de cabeça nessa ideia. Christopher deixara uma vida cômoda e tediosa para ir atrás do sonho quase delirante de ser livre. Essa façanha rendeu “Na Natureza Selvagem”, o livro-reportagem publicado por Jon Krakauer em 1996 sobre a longa jornada do peregrino, e uma década mais tarde, Sean Penn foi simplesmente impecável em sua adaptação da biografia de Christopher. Um canto de louvor ao amor-próprio e à coragem.
Christopher, um egresso da Universidade Emory, em Atlanta, decide trilhar o caminho inverso dos colegas que vão para o mercado financeiro e amealham patrimônio, mansões, carros de luxo e constituem famílias burguesas. A única imagem dele com seus pais e irmã é no prólogo, pouco depois da cerimônia de colação de grau, quando aproveita para recusar o Cadillac que Walt, o pai, quer lhe dar de presente, e na sequência Christopher põe um cheque de quase 25 mil dólares num envelope e o despacha para Emory, rogando que comprem alimentos para quem precisa. Ele sai com seu velho Datsun creme pelas rodovias do sul, estaciona numa área de alagamento repentino, pega no sono e por um triz não morre afogado. Era a desculpa perfeita para se lançar-se de vez, sem lenço nem documento, na aventura que tanto perseguiu. Walt e Billie, a mãe, surgem em cenas entre aflitivas e tocantes, ávidos por ter notícias de Christopher, e um dos trunfos do enredo é concentrar-se também nos personagens que ocupam o limbo deixado pelo protagonista. O diretor-roteirista emula o rigor de Krakauer, que colhe declarações reveladoras de Walt e Billie, e a comovente interpretação de William Hurt (1950-2022) e Marcia Gay Harden conferem o equilíbrio necessário ao turbilhão que caracteriza a essência do filme. Entretanto, as pessoas que atravessam as errâncias do jovem ermitão — a essa altura autorrebatizado Alexander Supertramp — dão a tônica do que ainda se vai ver.
Supertramp se depara com Rainey e Jan Burres, os hippies tardios interpretados por Brian Dieker e Catherine Keener, e nessa hora passamos a conhecê-lo melhor. Ele quer chegar ao Alasca profundo, mas não se furta a viver momentos de ternura e até ensaia uma reconfiguração familiar, uma vez que o filho adolescente de Jan também caiu no mundo. Após alguns dias, ele deixa uma mensagem de despedida para o casal, mas os reencontra, por acaso, e nessa ocasião é apresentado a Tracy Tatro, uma aspirante a cantora que apaixona-se pelo superandarilho. Num desempenho mesmerizante, Emile Hirsch galvaniza o trabalho de todo o elenco, formando com Kristen Stewart um anticasal por quem todos torcemos. O encontro de Supertramp e Ron Franz, um velho oficial do Exército que perdeu a mulher e o filho único num acidente de carro e enterra-se em algum lugar nos arredores do mar de Salton, no sul da Califórnia, é o filme dentro do filme. Hal Holbrook (1925-2021) personifica a antítese de seu improvável amigo, e afeiçoa-se tanto ao garoto que quer adotá-lo. Mas Christopher não é de ninguém.
Supertramp sai para colher ervas do campo, mas acaba confundindo as espécies e come uma raiz venenosa. Penn mostra a lenta agonia de Christopher, que vai e volta no tempo recapitulando o que vivera, até a hora definitiva. Em 18 de agosto de 1992, Christopher Johnson McCandless embarcou numa outra viagem, ainda mais longa. Mas convicto de que, desde sempre, fez a escolha certa.
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