Para muita gente, o mundo já acabou há algum tempo. O apocalipse surge como o cenário ideal para a revelação de verdades, para que se saiba a natureza inescapável dos homens, para que se distinga o joio do trigo e sejam banidos os falsos profetas. Na outra ponta da linha, anti-heróis cheios de rancores, marcados por perdas, endurecidos pelos tantos infortúnios, acreditam que seu caráter férreo deve ser usado para livrar a Terra da escória, uma vez que qualquer ideia de moralidade está perdida para sempre. Os justiceiros representam a última fagulha de ordem em meio ao caos e à desgraça.
Na ausência de leis eficazes, a tirania se disfarça de proteção. Despontam líderes improvisados, que prometem segurança em troca de obediência cega. Criam-se regimes autoritários, inofensivos no começo, mas que logo evoluem para cerceio das liberdades individuais, silenciamento dos divergentes, restrições aos que não se submetem. Fome, medo e escassez tornam-se armas poderosas. Quem desafia esses tiranos busca resgatar sua própria identidade, sua própria consciência, seu passado e seu futuro, mas também devolver ao outro a chance roubada de uma existência menos soez. Mas vão surgindo problemas.
O combate à violência sem a participação do Estado leva ao fomento de abusos de toda ordem, ainda mais difíceis de serem debelados porque brotam à sombra da lei. Na sensação enganosa de paz mora a semente da barbárie. A justiça por meios oblíquos não promove reparação, só confere ao crime um verniz de legitimidade. Dessa forma, justiceiros são a consequência de um sistema falho, no qual perpetuam-se as aberrações. Indivíduos armados de convicções pessoais supõem poder libertar a sociedade de suas correntes, mas, pelo contrário, agrilhoam-na num ciclo perverso de medo e violência. O justiceiro não é, portanto, alguém a ser imitado.
No cinema, entretanto, justiceiros são muito bem-vindos. Essas figuras nebulosas não deixam de lembrar ao espectador comum que o poder não admite vácuos e, a sua maneira, transmitem uma mensagem àqueles que dão as cartas: o povo se cansa. Nos filmes de ação, personagens ávidos por expurgar o mal que grassa sob o sol têm lugar de destaque. Os sete longas dessa lista, clássicos e novidades do gênero, todos disponíveis no catálogo da HBO Max, são um regalo para quem jamais recusa a adrenalina de um tiroteio ou perseguições sem fim pelas ruas de uma cidade cheia de perigos. Às vezes, até com momentos bem-humorados.

Ainda não é o fim do mundo, mas a rede elétrica colapsou, o dinheiro só se desvaloriza, as cidades ardem, grassam pestes e pandemias, o calor não dá trégua, falta água, gangues varrem o planeta como gafanhotos, a terra não dá frutos, as pessoas estão envenenadas, tudo morre. A humanidade está fora de controle, precisa de alguém que encarne a bravura e a cólera transformadora e eis que nasce uma garota capaz de enfrentar as crueldades do mundo, como pede o Homem da História. “Furiosa: Uma Saga Mad Max”, uma das mais sofisticadas prequelas do cinema, diverte sem abrir mão da filosofia, atributo que se pode observar ao longo de todos os reveladores 148 minutos de projeção. George Miller divide o quinto filme da série em capítulos, um mais instigante que o outro, e desfia o mesmo velho enredo de caos, secura, ódios atávicos, natureza implorando por socorro e homens cada vez mais enlouquecidos, o que leva o espectador de volta a 1979, quando Miller encantou o público com sua anárquica distopia cheia dos vaticínios que ainda teimamos em não enxergar. O diretor e seu corroteirista Nick Lathouris usam todos os elementos que aquele cenário lhes oferece, como se compusessem um mosaico gigantesco e vivo em que os personagens entram como as últimas peças. Hermético para muita gente, “Furiosa: Uma Saga Mad Max” é mais um dos gritos de alerta do cinema acerca de nossa finitude mais e mais palpável, alicerçada numa conduta autopredatória inconsequente e sem explicação. E, claro, diverte também.

Em “O Protetor”, Antoine Fuqua apresenta Robert McCall, vivido com intensidade por Denzel Washington, um homem aparentemente comum que esconde um passado sombrio. Trabalhando em uma loja de ferragens, ele leva uma vida pacata, mas revela suas habilidades mortais ao se envolver com Teri, uma jovem explorada pela máfia russa. O filme constrói uma atmosfera de tensão crescente, equilibrando silêncio e explosão de violência. Fuqua adota um ritmo cadenciado, mostrando McCall como um vigilante meticuloso, calculando cada ação antes de atacar. Esse detalhamento transforma cenas simples em momentos de suspense envolvente. Washington entrega uma atuação magnética, unindo serenidade e brutalidade, tornando McCall um herói complexo, que inspira empatia mesmo em seus atos mais extremos. A fotografia escura e a trilha sonora reforçam o clima sombrio, aproximando a narrativa de um neonoir moderno. Entretanto, a trama peca pela previsibilidade, seguindo a cartilha clássica do “justiceiro contra o crime organizado”. Os vilões carecem de profundidade, funcionando mais como obstáculos do que antagonistas marcantes. Apesar disso, o embate contra a máfia mantém a tensão. No conjunto, O Protetor é um thriller de ação eficiente, que se destaca mais pela força interpretativa de Washington e pela direção estilizada de Fuqua do que pela originalidade de sua narrativa. Uma obra que, mesmo não reinventando o gênero, garante impacto e densidade emocional.

Ao combinar ação, suspense e ficção científica numa trama cerebral, Christopher Nolan tem em “A Origem” um de seus filmes mais ousados. O longa acompanha Dom Cobb (Leonardo DiCaprio), um especialista em extrair segredos do inconsciente durante os sonhos. Nolan constrói um universo complexo, no qual o tempo e o espaço se moldam de acordo com a mente humana. A narrativa, marcada por camadas de sonhos dentro de sonhos, desafia o espectador a acompanhar cada detalhe. O roteiro ousa misturar conceitos filosóficos com a linguagem do cinema de ação, criando cenas visuais impressionantes, como a luta em gravidade zero. A trilha sonora de Hans Zimmer intensifica a tensão, reforçando o caráter épico da obra. O elenco, que inclui Joseph Gordon-Levitt, Ellen Page e Marion Cotillard, sustenta bem a densidade dramática da história. Contudo, alguns críticos apontam excesso de explicações técnicas, que podem tornar o filme expositivo. Apesar disso, Nolan mantém o equilíbrio entre espetáculo visual e reflexão existencial. A dúvida final, deixada pelo pião, é a síntese da obra: até que ponto distinguimos realidade de ilusão? “A Origem” é um quebra-cabeça cinematográfico que instiga, emociona e permanece em aberto na mente do público.

“O Assalto” é um thriller que mescla elementos de filme policial clássico com a marca autoral do cineasta: diálogos ágeis, tensão psicológica e personagens ambíguos. A trama acompanha Joe Moore, um ladrão experiente que, após um golpe mal executado, vê sua aposentadoria ameaçada por chantagens e traições. David Mamet constrói uma narrativa pautada pelo jogo de confiança e pela fragilidade das lealdades, transformando o crime em metáfora das relações humanas. O elenco é um dos pontos fortes. Na pele de Moore, Gene Hackman (1930-2025) apresenta um trabalho maduro, enquanto Danny DeVito adiciona cinismo ao papel de um gângster manipulador. A direção aposta na simplicidade visual, mas privilegia o ritmo e a tensão crescente. Não há espaço para glamour, apenas para o pragmatismo frio dos profissionais do crime. A fotografia sóbria e a montagem contida reforçam o clima realista, em contraste com produções mais espetaculosas do gênero. Ainda assim, alguns críticos consideram o roteiro excessivamente preso ao estilo verbal de Mamet, o que pode soar artificial. Apesar disso, o filme mantém impacto ao explorar a ideia de que, no submundo do crime, a esperteza sempre pode ser superada por outra ainda maior. “O Assalto” é um exercício de estilo, mais cerebral do que visceral, que confirma Mamet como mestre do diálogo e da manipulação dramática.

Dirigido e estrelado por Clint Eastwood, “Poder Absoluto” é um thriller político que mistura suspense e drama moral. A trama acompanha um experiente ladrão de cofres que, ao presenciar um assassinato ligado diretamente à Casa Branca, se vê dividido entre salvar a própria vida e expor a verdade. O filme trabalha com a tensão entre crime, poder e corrupção, explorando os bastidores obscuros da política americana. Eastwood constrói seu personagem com nuances de cansaço e astúcia, um anti-herói que ganha força pela ambiguidade. Gene Hackman, como o presidente envolvido no crime, oferece uma atuação intensa, revelando a frieza do poder absoluto. A narrativa, embora lenta em alguns momentos, mantém o espectador intrigado pelo risco constante de silenciamento da verdade. A direção aposta em diálogos secos e atmosfera sombria, característica do estilo de Eastwood. O roteiro, adaptado do livro de David Baldacci, simplifica algumas questões, mas enfatiza o embate entre moralidade e sobrevivência. O filme critica a impunidade das elites, mas também expõe a fragilidade das instituições democráticas. O suspense cresce com a perseguição incessante ao protagonista. Embora não seja o ápice do gênero, entrega um comentário afiado sobre poder e corrupção. É uma obra sólida, com ritmo clássico e atuações marcantes.

Lançado em 1986, “Cobra” é um típico exemplar do cinema de ação oitentista, estrelado e roteirizado por Sylvester Stallone. O filme apresenta o tenente Marion Cobretti, o Cobra, policial durão que desafia uma seita criminosa violenta em Los Angeles. A narrativa é direta, priorizando cenas de perseguição, tiroteios e confrontos físicos, enquanto o desenvolvimento dramático é reduzido ao mínimo. Visualmente, o longa aposta em uma atmosfera sombria, marcada por luzes de neon, fumaça e enquadramentos estilizados, transformando o protagonista em um ícone visual: óculos escuros, fósforo nos lábios e frases de efeito. Essa estética o torna cult para fãs de ação, mas também evidencia sua superficialidade narrativa. Ideologicamente, Cobra encarna um discurso reacionário típico da época: a polícia convencional é ineficiente e a justiça só se cumpre pela violência do herói solitário. Vivido por Brian Thompson, o vilão é mais caricatural do que complexo, reforçando um maniqueísmo que reduz o conflito ao velho embate do bem contra o mal. Apesar das críticas, o filme possui ritmo intenso, cenas icônicas e uma energia bruta que ainda agrada admiradores do gênero. “Cobra” é um retrato kitsch dos anos 1980, limitado em profundidade e discurso, mas fascinante em sua estética.

“Magnum” 44 é o segundo filme da saga do policial Harry Callahan, interpretado por Clint Eastwood. Aqui, o enredo gira em torno de um grupo de justiceiros dentro da própria polícia que decide executar bandidos sem julgamento, levando o personagem a confrontar não apenas o crime, mas também a corrupção institucional. A obra se destaca pelo dilema moral: até onde vai o limite da lei quando a justiça parece falhar? Eastwood reafirma o perfil duro e irônico de Callahan, tornando-o um ícone do cinema policial. A direção de Ted Post (1918-2013) é menos estilizada que a de Don Siegel (1912-1991), mas investe na tensão e no realismo urbano. O filme também traz cenas de ação memoráveis, especialmente os duelos armados que ressaltam a imponência da Magnum calibre 44. A crítica social é evidente, discutindo violência, abuso de poder e vigilantismo. Apesar disso, alguns críticos apontam que a narrativa romantiza o excesso de brutalidade policial. Tecnicamente, o longa equilibra ritmo e suspense, mantendo a atenção do espectador. A trilha sonora de Lalo Schifrin reforça o clima sombrio e opressivo. “Magnum 44” é um thriller que empolga ao misturar entretenimento e provocação, e que continua atual em seu debate sobre segurança e justiça.