O Brasil era Volta Redonda na apostila dos anos 1990

O Brasil era Volta Redonda na apostila dos anos 1990

É no mínimo interessante o quanto o nosso conhecimento depende das perspectivas, do ponto de observação, do local onde se aprende e apreende. Não tinha por que se surpreender com o fato de o meu amigo A., culto e letrado, ignorar solenemente que o Brasil havia participado da Segunda Guerra.

Aquele esforço dos pracinhas, afinal, fora pequeno se comparado com as dimensões horrorosas do conflito e acontecera apenas aos 44 minutos do segundo tempo. Além disso, é mesmo de causar estranhamento o envolvimento brasileiro, geograficamente tão isolado das potências bélicas e historicamente tão alheio a batalhas globais.

Já no Brasil, trata-se de um episódio que conhecemos da escola, da mídia e até mesmo dos discursos orgulhosos dos mais antigos. Um orgulho militar que cabe, é preciso concordar: se a empreitada foi para derrotar o nazifascismo, a justificativa é desnecessária; se do outro lado está o nazifascismo, afinal, lutar contra é um fácil pleonasmo.

Mas foi surpreendente saber, do mesmo amigo A., qual foi a única informação sobre o Brasil que sua memória reteve dos anos escolares naqueles primeiros anos de Eslovênia pós-Iugoslávia: o livro de geografia localizava em um mapa a cidade de Volta Redonda.

E aí, sim, a conversa se sedimentou de vez em pleonasmo, porque foi preciso evocar com toda a desenvoltura a explicação da toponímia, antes mesmo de buscar entender por quais motivos o importante município do sul fluminense mereceu destaque em uma apostila do leste europeu dos anos 1990.

— Você já foi a Volta Redonda? — ele me perguntou.

Tomei mais um gole de cerveja antes de dizer que, sim, uma vez estava voltando de carro do Rio de Janeiro e entrei para ver qual era.

— Acho que nem quinze minutos. Dei só uma voltinha…

(O trocadilho, juro, não foi intencional.)

Fato é que na cabeça do meu amigo A. e de pelo menos uma geração de esloveninhos, os que frequentaram as escolas dos anos 1990, o Brasil se resumia a um pontinho no mapa do livro de geografia. E esse pontinho não era o Rio de Janeiro, não era São Paulo. Não era Brasília. Não era Foz do Iguaçu. Não era nenhuma praia famosa do Nordeste, tampouco o coração da Amazônia.

Era Volta Redonda.

Com todo o respeito aos volta-redondenses, se meu amigo A. não estava redondamente enganado era preciso ter um motivo para que esse município fosse o único ponto brasileiro destacado nas aulas eslovenas.

Esta se tornou a interrogação reinante naquela tarde, já que a mente de A. não parecia ter guardado nenhuma outra informação além do nome — que até aquela conversa não tinha para ele o significado redundante que tem para nós, vale ressaltar.

Foi preciso recorrer ao Google, essa muleta de todos os papos inúteis de nossa era. E aí o velho Marx estava certo: a explicação veio pela economia.

Volta Redonda é onde fica a Companhia Siderúrgica Nacional, uma das maiores indústrias desse setor que existem no planeta. Sem dúvida isso parecia muito relevante ao autor daquela apostila de geografia. E é mesmo.

O que eu acabei não falando ao meu amigo é que a usina da empresa em Volta Redonda se chama Presidente Vargas — uma homenagem justamente ao mandatário que, além de ter criado a companhia durante o Estado Novo, também decretou guerra contra o Eixo e acabou mandando os pracinhas brasileiros para as batalhas em solo italiano. O mundo dá voltas e a história não capota: desce, redonda.

Edison Veiga

Edison Veiga é escritor e jornalista e vive em Bled, na Eslovênia, desde 2018. Publicou oito livros, entre eles ‘Titereiro’ e ‘O Menino que Sabia Colecionar’.