Narrativas que giram em torno de crimes complexos levam o público a interpretar evidências e desconfiar de cada personagem, tudo envolto numa névoa de mistério que só faz crescer. Reviravoltas inesperadas, que mantêm a tensão até o final, e ritmo oscilando entre silêncio e fúria, jogam luz sobre os abismos da condição humana, refletindo seus medos e contradições. À medida que a história avança, tem-se clara a dualidade entre o que é dito e o que é apenas insinuado, e nas boas tramas do gênero, a busca da verdade inspira revelações incômodas. Esse é o caso de “Black Rabbit”, uma das melhores minisséries das plataformas de streaming deste ano. O criador Zach Baylin, ao lado da esposa Kate Susman, é o roteirista do ótimo (e pouco conhecido) “A Ordem” (2025), cujo diretor, Justin Kurzel, é o responsável por dois dos oito episódios. A unidade entre uma e outra ponta é uma das razões para o sucesso. Mas não a principal.
Jake Friedkin deu duro até abrir o Black Rabbit, um dos bares mais comentados de Manhattan. Na verdade, o Black Rabbit é fruto do trabalho de Jake e de Vince, seu irmão mais velho, e é por aí que o casal Baylin-Susman começa a movimentar a história, mirando a relação dos dois meio a tomadas do estabelecimento, localizado num dos últimos edifícios de madeira, no sul da ilha. Nas primeiras cenas, Jake é visto correndo de um lado para o outro, recebendo fornecedores, reformulando o menu, guardando muito dinheiro num cofre no sótão. Talvez essa tenha sido uma premonição do que vem a seguir, quando Vince oferece a coleção de moedas do pai a dois vigaristas, é roubado, reage, mata um dos ladrões e é perseguido por toda Las Vegas, até fugir para o interior do estado, de onde telefona para Jake pedindo uma passagem para Nova York, onde deve 140 mil dólares a agiotas. Embora todo mundo saiba que o reencontro tem tudo para acabar mal, ninguém deixa de querer assistir à derrocada dos Friedken. Essa é a magia.
Jake e Vince ensaiam um acerto de contas na velha casa da família, colocada à venda, mas o conflito central permanece por ser esmiuçado. Aos poucos, o Friedken mais velho passa ao primeiro plano, depois que uma bartender falta na noite em que o Black Rabbit recebe a crítica de gastronomia do “New York Times”. Jason Bateman, diretor dos dois primeiros capítulos, proporciona bons momentos ao ir além do previsível, malgrado Vince apresente todos os estereótipos do perdedor, incluindo cabelo sujo e barba desgrenhada. A atuação de Bateman inspira raiva, nojo, pena, e quando confrontado com o Jake de Jude Law nem parece tão vilão assim. Law continua afiado como o anti-herói almofadinha e charmoso, saindo-se melhor nas vezes em que tem a oportunidade de mostrar Jake sob ângulos menos óbvios, levando à escola Hunter, o filho interpretado por Michael Cash, ou trocando gentilezas com a ex-mulher, Val, de Dagmara Dominczyk. Lamentavelmente, esse aspecto do personagem é negligenciado, e não é coincidência que “Black Rabbit” acaba minutos depois que Vince também sai de cena. Existe um coelho nesse mato, e ele se chama Jason Bateman.
Série: Black Rabbit
Criação: Zach Baylin e Kate Susman
Ano: 2025
Gêneros: Drama, crime, policial
Nota: 9/10