Nos bastidores do poder florescem os acordos obscuros. Longe do necessário escrutínio da imprensa, líderes negociam alianças em gabinetes fechados, onde os interesses pessoais sobrepõem-se ao bem comum. Promessas são feitas não para serem cumpridas, e sim para mascarar favores, cobrados na hora certa. Nesse jogo lamentável, a ética cede lugar à conveniência, e valores são apenas moeda de troca. O silêncio é cálculo, e a omissão, método. Deslealdades são a regra, pactos caem sem escândalo, forjam-se pretextos de acordo com as conjunturas e sacrifica-se a terra para que alguns multipliquem seu patrimônio. Políticos que abusam de seus tantos apanágios são o efeito de sociedades negligentes, como se vê em “As Maldições”, uma história sobre de que maneira os poderosos atropelam a lei para perpetuar-se no topo. Para dar um tempero pop, o argentino Daniel Burman adapta o livro homônimo de Claudia Piñeiro sublinhando um crime rodeado por mistérios, que não deixa de também bater na tecla da política como um ambiente de paixões e brutalidade à flor da pele.
Para Fernando Rovira é tudo ou nada. Governador de uma província no norte da Argentina, Rovira encontra-se num momento decisivo de sua carreira, debatendo uma lei que facilita a exploração de reservas de lítio sob seu território. Ao contrário do que parece, Rovira é um ferrenho opositor da ideia, e para derrubá-la, conta com assessores diligentes, sem suspeitar que há um inimigo entre suas fileiras. Um flashback leva a ação a doze anos antes, quando o governador e Román Sabaté, seu braço direito, mantêm um relacionamento tão próximo que Rovira propõe que seu fiel colaborador engravide sua esposa, Lucrecia, evitando suposições acerca da virilidade do chefe. Enquanto ele mexe seus pauzinhos, com o auxílio da mãe, Irene, telefona para aliados e sonda como podem votar os demais, Sabaté sequestra Zoe, a filha única do governador, e atravessa os salares de Jujuy com a garota.
Diferentemente da grande maioria das produções do gênero, “As Maldições” afasta-se das reviravoltas forçadas, aprimorando as informações que o mais distraído dos espectadores já levantou. Retornando ao presente, Sabaté raptara Zoe, sua filha biológica, para obrigar Rovira a rever sua posição quanto ao lítio, e é aí que o enredo deslancha. Três capítulos são o bastante para Burman bater pesado nos absurdos da política, ampliando o ponto de vista de Piñeiro ao dar ênfase à exploração inconsequente de recursos naturais. Menos conhecido que Ricardo Darín, mas igualmente talentoso (e bem mais carismático), Leonardo Sbaraglia prolonga o interesse pelo que é contado ao desvendar um a um os vários meandros da psique de Rovira, um homem inepto, fraco, suscetível a pressões — vale a pena apreciar sua composição de Carlos Menem (1930-2021) nos seis episódios de “Menem – El Show Del Presidente” (2025), dirigida por Ariel Winograd e Fernando Alcaide. Irene, uma Lady Macbeth sem remorsos, vibra nesse diapasão, e Alejandra Flechner reforça o caráter de completo desnorteio moral do protagonista. Se, contudo, fosse preciso escolher um único personagem, este seria Román Sabaté. Com uma interpretação enxuta, na qual nada sobra ou falta, Gustavo Bassani mantém o ritmo e vai do vilão ao herói-justiceiro sem dificuldade. Como se constata em “As Maldições”, políticos inclinados a dourar sua reputação com bravatas que escondem suas maracutaias não impedem a notável evolução cultural da Argentina.
Série: As Maldições
Criação: Daniel Burman
Ano: 2025
Gêneros: Drama, suspense
Nota: 8/10