Ricos vão desenvolvendo hábitos estranhos até para si mesmos, tudo para se manter o mais distantes quanto conseguirem da massa ignara, os pobres mortais que, trocando em miúdos, permitimos que jamais desçam do pedestal de glória e encantamento com que o destino os regalara. É claro que nunca há garantia o bastante de que fortunas colossais não derretam de um minuto para o outro e a magia se desvaneça para sempre, e por isso é que endinheirados e suas camarilhas rodeiam-nos, primando pela sutileza, mas também sabendo projetar suas garras quando necessário, dando conta de virtuais predadores antes que a cúpula perceba. Viola Herms Drath (1920-2011), uma jornalista alemã radicada em Washington, foi um dos raríssimos expoentes da alta burguesia americana a não ser sagaz o bastante para farejar o perigo e pedir ajuda, achando melhor, pelo contrário, agasalhar a fera em seu seio. Em “Georgetown”, Drath, escritora e conselheira de figuras públicas incluindo o ex-presidente George H. W. Bush (1924-2018), vira Elsa Breht, porém tudo o mais corresponde à realidade no ousado filme de Christoph Waltz. O próprio Waltz encarna o protagonista, Ulrich Mott, ou Albrecht Gero Muth, um carismático arrivista que fura a bolha e casa-se com uma das mulheres mais queridas e disputadas pelos poderosos da América. Vencendo uma barreira de 44 anos.
Baseado no artigo do escritor Franklin Foer publicado no “New York Times”, o roteiro de David Auburn disseca com admirável justeza esses detalhes aparentemente simples, entre o vil preconceito e a iminência quase palpável de uma tragédia. Como toda capital, Washington respira poder e as relações fazem-se sobre as possibilidades, reais ou imaginárias, de chegar a ele e mantê-lo. Esse é o caso de Mott, um tipo ensaboado que vem da Alemanha em circunstâncias misteriosas e consegue uma vaga de estágio não remunerado como guia turístico no Capitólio. A partir de então, Mott passa a dar asas a cada uma de suas muitas fantasias, começando por aquela que o faz crer uma espécie de paladino do Congresso, o que o obriga a zelar pela segurança nacional e não permitir fotos. Seu chefe presencia a cena, ele é demitido, e nesse momento começa sua escalada, depois que Mott surrupia-lhe a credencial para o evento mais importante para os poderosos e os que querem sê-lo. No Jantar dos Correspondentes da Casa Branca ele puxa assunto com Elsa, com o discurso na ponta da língua. Passados alguns dias, ele começa a frequentar a casa de Elsa em Georgetown, bairro nobre e mais velho que a própria cidade. Elogo vira o centro de todas as atenções.
Waltzdispõe a narrativa em capítulos intitulados“O Mordomo”, “O Diplomata” e “A Incorporação”, cada um espelhando uma fase da nova vida de Mott. Ele parecia satisfeito em dedicar-se integralmente à esposa, postura que inspira-lhe não admiração, mas vergonha. Ela o estimula a procurar Vladimir Petrovsky (1933-2014), o então secretário-geral adjunto da ONU, e oferecer-lhe parceria num certo Grupo das Pessoas Eminentes, uma ONG voltada a discutir tópicos das relações dos Estados Unidos com nações amigas, mas mesmo com os empurrões de Elsa, continua tudo como sempre fora: Mott um parasita inepto, sustentado pela cônjuge rica e anciã. Sem pressa, o filme nos convence de que Elsa repara nas terceiras intenções do marido, mas quem manifesta por ele uma aversão devotada e crescente, embora dentro dos padrões da cortesia hipócrita, é Amanda, a filha única. Durante o terceiro ato, Waltz, Vanessa Redgrave e Annette Bening compõem um núcleo tão belicoso quanto coeso, malgrado a investigação do crime sobre o qual o eixo da trama passa a se mover não consiga provocar o choque esperado.
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