Quem foi que disse que mulher não combina com filmes de roubo? Personagens que capturam o olhar do espectador logo nas primeiras sequências são uma das qualidades que definem o gênero, e a trama minuciosa, ágil e cheia de vaivéns narrativos sobre os planos de um golpe milionário, sua execução e os desdobramentos para os envolvidos, segura a audiência, numa metáfora engenhosa sobre um sistema falho, excludente, distorcido, voltado à acumulação do vil metal e só. Charmosas, dotadas de uma inteligência certeira e, o principal, admiradoras do que o dinheiro pode oferecer de melhor, as ladras que protagonizam “Oito Mulheres e um Segredo” mostram que são tão boas quanto seus colegas do sexo oposto quando o assunto é faturar uma bolada o mais rápido possível. Gary Ross segue a trilha aberta por Steven Soderbergh com “Onze Homens e um Segredo” (2001), “Doze Homens e Outro Segredo” (2004), e “Treze Homens e um Novo Segredo” (2007), a trilogia que alude ao trabalho de Lewis Milestone (1895-1980), de quarenta anos antes. Ross e os corroteiristas George Clayton Johnson e Olivia Milch reforçam a ideia de que, sim, o crime compensa, mas também que não se pode ter tudo.
Os personagens criados por George Clayton Johnson (1929-2015) e Jack Golden Russell mudam de gênero, mas continuam ambiciosos. Debbie Ocean, uma trambiqueira de carteirinha que as autoridades conhecem de longa data, está prestes a deixar a cadeia, prometendo abdicar da fama no submundo e renegar o próprio sangue. Ela é a irmã caçula de Danny Ocean, o líder de uma malta de sofisticados golpistas vivido por George Clooney nos filmes de Soderbergh, e com a morte de Danny é instada a assumir o comando da quadrilha. Debbie usara boa parte dos cinco anos, oito meses e doze dias de reclusão para planejar seu nova empreitada, aproveitando para vingar-se do ex-namorado, Claude Becker, aquele que feriu seus sentimentos e a mandou para o xilindró. Como se assiste na sequência de abertura, ela terá uma ajuda preciosa, e Sandra Bullock vai levando o filme com desembaraço, acelerando o ritmo e convencendo-nos a ir com Debbie.
Na penitenciária, a mandachuva escolhera as oito auxiliares que a irão acompanhar no roubo de um exclusivo colar de diamantes Cartier avaliado em 150 milhões de dólares no baile do Met Gala, o grande evento da moda, no Metropolitan Museum of Art de Nova York. Antes, Debbie desfila pela Bergdorf Goodman, na Quinta Avenida, para levantar um trocado com os perfumes que surrupia sem levantar suspeita, hospeda-se num hotel cinco estrelas usando identidade falsa e almoça no Veselka, o restaurante ucraniano no East Village, para acertar os últimos detalhes da operação. Debbie reúne-se com Lou, a velha cúmplice, única em quem confia, e o entrosamento impecável de Bullock e Cate Blanchett, sustentado por conversas divertidas sobre a trajetória de delinquências de cada uma já faz “Oito Mulheres e um Segredo” valer muito a pena. Juntas, elas recrutam Amita, uma joalheira com quem conta em eventuais missões fora da lei; Constance, uma punguista do baixo clero; Tammy, uma dona de casa tranquila cuja capacidade de dissimulação impressiona; Nine Ball, uma hacker antenada com novas tecnologias em circuitos fechados de TV; e Rose Weil, uma estilista talentosa, mas encaminhando-se para um ostracismo precoce. Cinco mulheres marginalizadas, portanto.
O oitavo elemento é Daphne Kluger, uma das apresentadoras do Met Gala e a quem coube a deferência de ostentar no pescoço as duas dúzias de brilhantes mais cobiçados da noite. Como sói acontecer, Anne Hathaway tem sempre uma carta na manga para fazer de seu desempenho uma peça de fina ourivesaria. Figura mais importante da história, Hathaway transita bem entre todas as personagens, desde a sempre aristocrática Blanchett à popularíssima Bullock, passando pela cult Awkwafina e pelo glamour neogótico certeiro de Helena Bonham Carter, com quem bate uma bola redonda. É Daphne a responsável por trazer a grande revelação do longa, e anunciar o encerramento, quando a editora Juliette Welfling dá ênfase às tomadas aéreas, mostrando cada uma das ladras como donas do mundo e de seu próprio nariz, embora de um jeito torto. Ninguém é perfeito, mas em “Oito Mulheres e um Segredo” o crime precisa ser.
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