Quando a HBO levou ao ar “Sex and theCity”, entre 1998 e 2004, as mulheres já podiam se orgulhar de muitas conquistas. Entretanto, não há como não ver que a série foi um incentivo adicional para que o público feminino seguisse lutando, por um lugar ao sol no mundo do trabalho, pelos ordenados que homens conseguiam muitas vezes sem a mesma competência, por liberdade de expressão e, claro, por dispor do próprio corpo da maneira como melhor lhes aprouvesse. Em 22 de fevereiro de 2004, dia do último episódio de “Sex andthe City”, já começou a restar na audiência um gosto amargo de nostalgia, e talvez Michael Patrick King já planejasse ressuscitar Carrie Bradshaw, Samantha Jones, Miranda Hobbes e Charlotte York. Quatro anos depois, “Sex and the City: O Filme” estreou nas salas de projeção arrastando uma multidão de fãs, ávidos por saber se King mantivera a aura de glamour das tramas desenvolvidas por Darren Star a partir do livro homônimo de CandaceBushnell. Aquele era o princípio de uma nova saga.
Os conflitos das mulheres mais charmosas da televisão americana do começo dos anos 1990 são os mesmos, o que nem de longe é uma limitação para os espectadores mais fiéis. Carrie e companhia deixaram a HBO, foram para o cinema e parece terem gostado da tela grande, e “Sex and the City 2” (2010), também dirigido por King, não fez feio. Arranca-rabos do elenco marcaram o insucesso de “And Just Like That…” (2021-2025), que, na verdade, fracassou pelo simples motivo de certas histórias terem prazo de validade. Aliviados, admiradores de primeira hora da série têm nos filmes de King um consolo, e podem reviver os perrengues do quarteto com calma no decorrer de quase duas horas e meia. Tudo se dá como ouro sobre azul para Carrie, a personagem que narra as estripulias do grupo. Depois de dez anos de um namoro cheio de idas e vindas, ela, agora uma respeitável quarentona, finalmente vai subir ao altar com John James Preston, o Mr. Big, sem se incomodar muito em parecer uma aberração como as que fotografava DianeArbus (1923-1971). O tempo passou e Carrie parece não ter aprendido o bastante, ou ao menos precisaria ter se aproximado de seu futuro marido um pouco mais. Se ela o tivesse feito, saberia que ele não iria gostar de ser um coadjuvante de luxo nessa nova fase da relação dos dois, durante a qual Carrie faz um ensaio para a “Vogue” ostentando vestidos de noiva assinados pela Dior, Oscar de la Renta (1932-2014) e Vivienne Westwood (1941-2022). Para Big, era só ir até o cartório e assinar os papéis.
Carrie ganhou rios de dinheiro escrevendo os livros em que comete inconfidências acerca de si e das amigas, mas não o bastante para comprar a cobertura depois do 33º andar de um arranha-céu da Quinta Avenida. Big tem a maior parte do montante, ela não sente-se confortável com a ideia, e essa é a primeira pista do que vai acontecer com os dois, embora uma conversa do lobo de Wall Street com uma das garotas também o tenha influenciado. Sarah Jessica Parker e Chris Nothperpetuam a excelente química dos seis anos de HBO, e por pouco não esquecemos a imaturidade dos tipos que encarnam, empecilho a uma cadência mais orgânica da narrativa. Samantha, decerto a personagem mais encantadora — e a que não passa a “And Just Like That…” por desavenças com Parker —, continua uma devoradora de homens, mas tem se conformado em devorar apenas o atual companheiro, apresentador de um programa matinal, enquanto Charlotte e Miranda levam vidas conjugais sem grandes percalços, aquela mais afortunada que a segunda. Numa eterna corrida contra o relógio, ela nunca tem tempo para brincadeiras de alcova e fica sabendo que Steve, o marido interpretado por David Eigenberg, a trai. Cynthia Nixon responde pelos momentos, digamos, dramáticos, e na pele de Charlotte, Kristin Davis passa um tanto despercebida, excetuando-se a cena em que Carrie diz que em breve será a terceira senhora Preston.
Uma viagem a um resort mexicano cinco estrelas guarda algumas surpresas e uma pletora de clichês entre escatológicos e nonsense, minimizados por Jennifer Hudson como Louise, a nova assistente de Carrie, preservada do consumismo sem freio e daquela maldisfarçada tristeza da veterana. Hudson incorpora a consciência crítica do filme, apresentando sua mocinha tonta atrás de uma loja que aluga sapatos Manolo Blahnik e bolsas Louis Vuitton, até ganhar da chefe seu primeiro acessório de grife. King não sabe muito bem o que fazer com isso, é verdade, então cabe a cada um mirar a personagem de que mais gosta e não se importar demais com o resto. Samantha — já falei dela? — rouba a cena em alguns lances, como quando descobre um vizinho garanhão avesso a cortinas ou ao se cobrir de sushis e sashimis no Dia dos Namorados e levar um bolo. Kim Cattrall sempre foi a melhor coisa em “Sex and the City”, muito provavelmente por ser a mais autêntica e a que menos se leva a sério. Simples assim.
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