Homens e mulheres podem ser apenas bons amigos, ou o desejo, a carência e, quem sabe, uma paixão tão arrebatadora quanto molesta sempre pode surgir? A resposta é meio óbvia, mas continua a ocupar os consultórios de psicanalistas, os programas de televisão e a cultura pop como um todo, e o fenômeno quiçá nunca cesse. Que o amor vai muito além do apelo carnal todos sabemos, mas o que poucos admitem é que o sentimento amoroso exige disposição para aprender, que, por seu turno, demanda o talento de observar. Harry Burns e Sally Albright já foram próximos, quando eram estudantes da Universidade de Chicago e dividiram a coordenação de uma jornada acadêmica a Nova York na primavera de 1977. Eles se veem doze anos depois, no Aeroporto LaGuardia, e quando Harry encontra Sally… bem, o Cupido encarrega-se de fazer seu trabalho, não obstante estejam inicialmente comprometidos com outras pessoas. Comédia romântica das mais queridas pelo público, “Harry & Sally — Feitos Um Para o Outro” continua a provocar gargalhadas e felizes acessos de nostalgia, lembrando um Woody Allen sem aquela saborosa visão descrente sobre tudo. Rob Reiner faz do roteiro de diálogos entre cínicos e espirituosos de Nora Ephron (1941-2012) um espelho da realidade, em que todo mundo se reconhece. Talvez esteja aí o segredo.
Harry e Sally planejavam seguir suas carreiras e ser bem-sucedidos, ele como consultor político e ela, uma jornalista respeitada, o que de fato acontece. Tudo estaria correndo como ouro sobre azul, não fosse, adivinhe, serem dois grandes infortunados naqueles temas que nenhuma razão explica, o que é sempre charmoso. Ele é um sujeito doce, cujo repertório o ajuda a fazer qualquer indesculpável platitude ter o verniz poderosíssimo de poesia ou verdade suprema, ao passo que ela é uma loira de ar ingênuo e olhos penetrantes. Depois do primeiro encontro fortuito no LaGuardia, eles voltam a se cruzar uma segunda vez, e uma terceira, quando Sally leva um fora do namorado e a esposa de Harry quer divorciar-se dele. Reiner brinca com a ideia de guerra dos sexos, em especial nas falas de Harry, que jamais perde uma chance de gargantear sua virilidade, bem de acordo com o zeitgeist da época. Gostemos ou não, suas teorias de boteco surtem efeito.
Hoje sumidos, Billy Crystal e Meg Ryan eram uma coqueluche nos anos 1980, e a despeito dos altos e baixos em Hollywood, os dois têm carisma para dar e vender. O apelo da dupla junto ao espectador cresce à medida que Harry e Sally entendem o que a audiência sabe desde o princípio e vão cedendo, embora o diretor seja hábil em esclarecer que o romance entre eles só vinga porque têm uma história anterior. Diferentemente da esmagadora maioria dos longas congêneres, resta inequívoco no texto de Ephron que não há a necessidade de que o possível relacionamento de Harry e Sally saia do plano das intenções e floresça, da mesma forma como se dá na vida como ela é. Crystal empresta a Harry o sarcasmo que borra a índole do personagem, sem que se saiba ao certo se ele é um cafajeste, um lunático, um imaturo ou um pouco de tudo isso. Ryan, por sua vez, torna verossímil o absurdo de cenas famosas como a da simulação de um orgasmo num restaurante cheio, da qual todo mundo lembra-se ou já ouviu falar. Jess e Marie, os amigos interpretados por Bruno Kirby (1949-2006) e Carrie Fisher (1956-2016), desfazem um pouco a sensação de que ninguém mais tem importância e só vemos Harry e Sally. É que eles são almas gêmeas mesmo.
★★★★★★★★★★