Kitty Green não dá refresco para o machismo. Em “A Assistente” (2019), seu primeiro trabalho ficcional, a diretora acompanha uma jovem aspirante a produtora de cinema lidando com abusos em cadeia do chefe. Três anos mais tarde, Green disseca o sexismo enfrentado por mochileiras de vinte e poucos anos que aceitam uma vaga de faz-tudo num pub isolado do Outback australiano, e “O Royal Hotel” mostra sua força em cenas cuja suavidade inicial engana. Escrito junto com Oscar Redding, o roteiro mira em “Hotel Coolgardie” (2016), o documentário de Pete Gleeson, mas acerta em “Pelos Caminhos do Inferno” (1971), o eterno clássico de Ted Kotcheff (1931-2025), numa descrição minuciosa e algo chocante do mal-estar feminino num mundo perigoso, brutal, em que grande parte dos homens ainda se comporta como feras indóceis, prontas para o ataque.
Hanna e Liv talvez sejam as novas Thelma e Louise, as anti-heroínas do filme de Ridley Scott, igualmente levianas e jovens, vivendo como se não houvesse amanhã enquanto gozam férias na Austrália. Elas fazem questão de que conheçam sua nacionalidade, porque canadenses são queridos em todo lugar, e assim vão gastando moeda após moeda, até ficarem sem um níquel. A saída é aceitar um emprego temporário no botequim pé-sujo mencionado no título, e então a história começa. A diretora recorre a planos gerais das savanas, iluminadas por um laranja estonteante, trunfo da fotografia de Michael Latham, voltando à terra para registrar as expressões das duas mochileiras, que chegam ao meio do nada após uma longa viagem de carro por um caminho empoeirado. Carol, a gerente vivida por Ursula Yovich, vai buscá-las, elas depositam a bagagem no porta-malas da rural amarela onde repousa um rottweiller manso, e as três seguem para o tal Royal Hotel.
Uma hora e meia é o bastante para que Green elabore os traços da personalidade dos tipos excêntricos que orbitam em torno do bar, e é assim que o enredo sai do lugar-comum do gênero para explorar outros ângulos do que é contado. Carol talvez já tenha mantido um caso com Billy, o dono do Royal Hotel interpretado por Hugo Weaving, mas hoje a dupla evita qualquer assunto que não se relacione aos negócios. Por outro lado, instala-se um desconforto crescente a esgarçar os laços de Hanna e Liv, que não para de meter-se em encrencas que demandam a interferência nem sempre diplomática de Hanna, que quer a liberdade dessa prisão, mas não sabe como. Em meio ao vaivém do relacionamento das garotas, entra em cena o núcleo masculino, composto por operários beberrões e misóginos em gradações mais ou menos infestas. Matty parece genuinamente interessado por Hanna, ao passo que Teeth esconde um impulso destrutivo e Dolly não controla a sanha perversa que o domina. Toby Wallace, James Frecheville e Daniel Henshall conferem a seus personagens, sujeitos inquestionavelmente problemáticos, nuanças ambíguas, borradas, sublinhando sua humanidade e, portanto, sua condição imperfeita, que acha o cenário ideal para se manifestar. Mas Hanna e Liv, nessa ordem, não são garotinhas indefesas.
Julia Garner leva sozinha um bom pedaço da trama. Sua Hanna oscila da passividade mortal para o embate contra o inferno em que está mergulhada, definido com mais clareza na iminência da conclusão. Um dos homens vai atrás de Liv, que nunca se apercebe dos inconvenientes tétricos que provoca, e é, claro, a amiga quem a socorre, sem jamais esboçar uma merecida lição de moral. Jessica Henwick sai-se bem no papel da vamp que acaba engolida por machos impiedosos, mas é mesmo Garner quem supera expectativas e torna aceitável o desfecho nonsense, meio artificioso. Todos sabemos que, na vida real, Hannas e Livs costumam pagar caro por seus ímpetos aventureiros. Infelizmente.
★★★★★★★★★★