Que o cinema da Coreia do Sul vai muito bem, obrigado, ninguém pode negar. Essa tendência tem se cristalizado desde 2019 com o lançamento de “Parasita”, de Bong Joon-ho, renovando o fôlego do mercado e fazendo a alegria do respeitável público. A produção audiovisual sul-coreana, impecável do ponto de vista técnico, disseca com coragem temas os mais díspares e obscuros da natureza humana, o que tem impressionado o mundo, sem prescindir da ousadia narrativo-estética e, por óbvio, da beleza. Se Bong tornou-se uma espécie de lenda viva da cultura pop sul-coreana ao ganhar o Oscar de Melhor Filme por “Parasita”, o primeiro longa de língua estrangeira a vencer na categoria, diretores seus patrícios têm demonstrado empenho para, ao menos, surgir em algum plano no radar do indústria cinematográfica internacional, e é isso o que se pode constatar diante de “Amor Enrolado”. A comédia romântica de Sun Namkoong, por óbvio, passa bem longe da tensão do suspense de cunho sociológico vigoroso o bastante para assombrar o mundo há cinco anos, mas Namkoong explora o roteiro de Ji Chun-hee e Wang Doo-ri determinada a fisgar o espectador. E nisso sul-coreanos são imbatíveis.
Em 1999, Park Se-ri e sua turma se dividem entre os exames preparatórios do vestibular e a agonia existencial própria da idade, o que inclui amar em segredo a pessoa errada. Há algum tempo a garota sonha em fazer Baek Seong-rae reparar em sua figura, mas um detalhe em sua biologia parece estar jogando contra. Ela não aceita seus cabelos cacheados e Namkoong gasta muitas cenas elaborando esse absurdo conflito interno de sua protagonista junto a sequências mais estimulantes, que mostram Se-ri numa rotina comum de adolescente, resistindo ao bullying da irmã gêmea, Hye-ri, dona de uma cabeleira lisa, ou em idas à praia em Busan. Numa dessas, sozinha, ela vê nota uma pessoa boiando no meio das ondas, nada até lá e a resgata. A partir desse ponto, o filme passa a um andamento mais orgânico à trama ao esquadrinhar a relação que Se-ri passa a ter com Han Yun-seok, o infeliz que tirara do mar. “Amor Enrolado” envereda pelo humor pueril, ao gosto do público de jovens adultos para quem se destina originalmente, lembrando enlatados a exemplo de “Friends” (1994-2004) ou “Emily em Paris” (2020-2025), malgrado a diretora seja perspicaz ao deixar margem para citar Jang-mi, a mãe solo de Yun-seok, dona do salão de beleza onde Se-ri faz seu tão esperado alisamento mágico de Seul.
A química entre Shin Eun-soo e Gong Myoung sustenta boa parte do enredo, e não é nenhum problema que o mocinho seja um marmanjo de 31 anos na pele de um aluno do ensino médio. Contudo, sempre paira uma nuvem de artificialidade na interpretação de Shin, sorridente demais, risonha demais ou encarnando uma rebelde sem causa inverossímil. “Amor Enrolado” vale pela excelência técnica, sobretudo a fotografia impecável e a edição que dribla o ramerrão contado em duas horas. Um indício de que o soft power da Coreia do Sul vai longe.
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