De volta à Netflix: o filme de ação que se tornou um dos maiores fenômenos de bilheteria da história do cinema

De volta à Netflix: o filme de ação que se tornou um dos maiores fenômenos de bilheteria da história do cinema

“Velozes e Furiosos 7” estreou em 2015 com uma equação difícil: manter a potência de uma franquia global, dar coesão às set pieces cada vez mais ambiciosas e encerrar um ciclo marcado pela morte de Paul Walker. James Wan, vindo do horror, adota um princípio prático para tudo isso: filmar a ação com legibilidade e tratar a emoção com sobriedade. A câmera encontra o lugar certo, o corte mantém a linha do movimento, a música entra na hora exata. O filme trabalha para que o público acompanhe a geografia do perigo e, ao fim, reconheça um adeus sem teatralidade.

James Wan dirige com atenção a três frentes: espaço, tempo e corpo. O espaço nunca se confunde; a cada perseguição, a câmera posiciona o espectador dentro da cena, não em um borrão de estímulos. O tempo preserva a continuidade; golpes e derrapagens têm começo, meio e consequência dentro do plano ou no corte seguinte. O corpo ganha peso; o impacto não depende de digital barulhento, e sim de decisões de enquadramento que preservam a escala humana da ação. Esse tripé dá ao filme uma estrutura clara; a energia circula sem virar ruído.

O roteiro de Chris Morgan, baseado em personagens concebidos por Gary Scott Thompson, organiza a trama com um eixo simples. Deckard Shaw, interpretado por Jason Statham, caça Dom Toretto e o grupo; a perseguição é direta e constante. O Sr. Ninguém, vivido por Kurt Russell, oferece um acordo: localizar Shaw com a ajuda de um dispositivo de vigilância global. A missão é funcional; apresenta objetivos claros, desloca o grupo por diferentes cenários e abre espaço para variações de tom entre espionagem e aventura. O filme não se perde em explicações técnicas e tampouco abandona sua vocação de entretenimento direto.

A primeira grande sequência assume o risco e declara sua régua visual. Carros saltam de um avião, pára-quedas se abrem sobre uma serra, um comboio blindado anda ao longe; a câmera registra cada decisão da equipe com nitidez. A montagem sustenta o eixo, evita cortes dispersivos e confia que o público pode ler um plano bem composto. Quando a narrativa se volta para o combate corpo a corpo, o desenho do espaço permanece claro. Tony Jaa participa de momentos chave e imprime uma cadência percussiva às lutas; a fisicalidade dele conversa com a intenção do diretor de priorizar gesto e consequência.

O desvio para Abu Dhabi apresenta o bloco mais vistoso. O salto entre torres, pelo vidro e pela noite, abraça o espetáculo; ainda assim, Wan introduz pequenas ancoragens que impedem a sequência de virar ornamento vazio. Há freada, hesitação, reação de quem dirige, detalhe de mão que procura marcha. O público sabe onde está o carro, onde está o risco e o que precisa acontecer para a cena terminar. Em outra frente, o ônibus que despenca na encosta oferece tensão de desenho clássico; o enquadramento cola no esforço, a gravidade do perigo se explica por si.

A série sempre se apoiou na ideia de família, termo repetido até a exaustão ao longo dos anos. Aqui, o conceito recebe temperatura humana. A mesa de Dom Toretto, interpretado por Vin Diesel, e de Letty, vivida por Michelle Rodriguez, serve como âncora de normalidade. A amnésia dela volta como memória incompleta, não como aula expositiva; o vínculo se reafirma na prática, durante a ação. Dwayne Johnson, como Luke Hobbs, aparece menos do que seu carisma comporta, porém cada entrada dele empurra o enredo para a frente. Tyrese Gibson e Ludacris sustentam a válvula de humor com boa medida; a graça não sabota o suspense, e o suspense não elimina a graça.

Marc Spicer e Stephen F. Windon assinam a fotografia com um princípio útil: diferenciar ambientes sem dissolver contornos. Londres recebe um frio limpo que recorta telhados e fachadas; o Golfo ganha um dourado controlado que conversa com vidro e mármore; Los Angeles fecha o filme com um azul que devolve ao asfalto a ideia de arena. A montagem respeita a clareza do quadro; acelera quando a ideia do plano está dada e desacelera quando a cena pede orientação. A música de Brian Tyler acompanha esse pulso; oferece reforço rítmico, indicações de humor e, no final, uma camada de memória que dispensa explicações.

Kurt Russell encontra um tom interessante para o Sr. Ninguém. Há charme, há autoridade leve, há senso de jogo limpo dentro de um mundo de atalhos. O personagem organiza a missão, fornece recursos e cobre o enredo com uma fina ironia que não quebra a suspensão da crença. Statham, por sua vez, cumpre a função de antagonista incansável; a presença dele dá lastro físico às decisões do grupo. Wan não tenta transformar o vilão em tese; prefere a eficiência de um objetivo que provoca os heróis e testa a coesão entre eles.

O coração do filme está no desfecho. A despedida de Brian O’Conner, interpretado por Paul Walker, foi administrada com cuidados visuais e uma estratégia dramática de bom senso. Dois carros seguem caminhos diferentes; a imagem se apoia na geografia da estrada, na luz de fim de tarde, na trilha reconhecível que carrega lembrança sem recorrer a sublinhado. A cena vale pelo que evita: não há martírio, não há manipulação, não há sermão. Há uma aceitação do tempo, uma elegância de gesto e um respeito claro ao público e ao elenco.

Nem tudo funciona do mesmo modo. O filme ainda carrega frases de efeito dispensáveis, um ou outro excesso decorativo e uma ou duas coincidências que desafiam a paciência. Esses percalços, no entanto, não desmontam o conjunto. O núcleo duro da proposta — legibilidade da ação, coesão de grupo, variação de cenários e equilíbrio entre risco e humor — permanece firme até o final. Em escala de estúdio, manter a clareza já representa uma conquista.

“Velozes e Furiosos 7” entrega o que promete em dois níveis. No primeiro, oferece espetáculo competente, com cenas reconhecíveis e ritmo sustentado. No segundo, articula esse espetáculo com uma homenagem que preserva a dignidade do personagem e do ator. James Wan traz um olhar que prioriza desenho, timing e precisão; o resultado respeita a inteligência do público e afasta a tentação de confusão barulhenta. A franquia continua grande, mas o capítulo ganha mérito por lembrar que a grandeza depende de escolhas formais e de medida emocional. Entre motores, vidros, quedas e freios, o filme encontra uma frequência que acolhe a plateia e a memória de Paul Walker.

Filme: Velozes e Furiosos 7
Diretor: James Wan
Ano: 2015
Gênero: Ação
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★