Leitores e colaboradores da Revista Bula escolheram os sete melhores livros brasileiros de 2025 até agora. A lista combina poesia e romance e percorre uma geografia histórica ampla: o Rio de Janeiro do Segundo Reinado, a redemocratização dos anos 1990, o interior do Sul, o presente atravessado por chamadas de vídeo e por deslocamentos que mudam voz e fôlego.
Em “O Jardim das Oliveiras”, Adélia Prado confirma uma ética em que a fé convive com prato, água, vozes de família. A poeta trabalha a dúvida sem negar a confiança e dá à casa um peso de altar. Em “Antes de Dar Nomes ao Mundo”, Adriana Lisboa pratica atenção paciente e responsabiliza a palavra pelo que toca. Pedra, folha e animal não são ornamento, são medida de tempo e de cuidado.
Nos romances, o corpo coloca fronteiras e impõe escolhas. “Batida Só”, de Giovana Madalosso, acompanha uma jornalista com arritmia que volta à cidade natal; amizade, maternidade e crenças passam por prova diária em um Brasil atravessado por catolicismo e evangelicalismo. “O Hipopótamo”, de Chico Mattoso, fixa a infância no início dos anos 1990 e lê nos silêncios da casa o lastro do exílio e da violência de Estado; a percepção infantil, precisa e limitada, monta o retrato que os adultos preferem evitar.
“Memória do Chão”, de Marcelo Labes, retorna ao internato do Rio Grande do Sul e observa as marcas que a adolescência grava na vida adulta; lealdades, culpas e descobertas permanecem como nó na garganta. “Quincas Borba e o Nosferatu”, de Edson Aran, leva personagens de Machado de Assis ao Rio de Janeiro, em 1869; entra em cena um vampiro europeu, e a corte de Dom Pedro 2º, a imprensa e os salões revelam vaidade, desejo de prestígio e teorias morais em disputa.
Em “Horas Azuis”, de Bruna Dantas Lobato, uma estudante de literatura em Vermont mantém, pela luz fria da tela, a conversa diária com a mãe; a distância reorganiza a família, a língua e a própria identidade. O conjunto forma um retrato nítido e inquieto: obras que unem contexto histórico e precisão psicológica, e que tratam de corpo, fé, memória e deslocamento com rigor, atmosfera e verdade.

A nova coletânea de Adélia Prado traz 105 poemas inéditos que reafirmam a singularidade de sua trajetória poética, marcada pelo entrelaçamento entre o sagrado e o prosaico. Depois de mais de uma década sem publicar inéditos, a autora retorna com uma voz amadurecida, que escava na própria memória e no silêncio os limites da linguagem. O livro se estrutura como uma vigília, em que cada poema surge como resposta à aridez da experiência e à necessidade de encontrar, no cotidiano, lampejos de transcendência. A figura do eu lírico, fiel à cadência interior que marca a obra da poeta, enfrenta a tensão entre fé e dúvida, compaixão e desamparo, luz e sombra. Ao mesmo tempo, o tom é metalinguístico: os versos refletem sobre o próprio fazer poético, examinando o peso da palavra diante da vida e da morte. Entre gestos simples, como um prato lavado, uma voz que chama ou a lembrança das raízes mineiras, e momentos de fervor místico, o livro recria a possibilidade de esperança num mundo que insiste em sua precariedade. Sem concessões à facilidade ou ao sentimentalismo, a poeta escreve com rigor e intensidade sonora, devolvendo ao leitor a experiência de uma poesia que é tanto oração quanto investigação. O resultado é um conjunto de poemas que celebram e interrogam a vida, com um lirismo de rara densidade e uma clareza que nasce do enfrentamento direto com o mistério da existência.

Maria João, jornalista habituada ao ritmo agitado da cidade grande, vê sua vida interrompida por uma arritmia grave que a obriga a rever não apenas a rotina, mas a própria relação com as emoções. Diante da ameaça constante de que qualquer abalo sentimental possa ser fatal, o cotidiano se torna um campo minado, onde até a lembrança de antigas paixões ou os choques da profissão passam a ser interditos. Incapaz de se ajustar ao silêncio imposto pela doença, ela retorna à Moenda, cidade da infância, buscando refúgio na casa dos avós e uma espécie de abrigo contra o excesso do mundo. Esse deslocamento, porém, não significa sossego: a reaproximação com Sara, amiga de juventude que permaneceu na cidade, expõe feridas e diferenças. Sara é pragmática e profundamente religiosa, dividida entre tradições católicas e evangélicas, enquanto Maria João se apega ao ceticismo como modo de sobrevivência. A amizade entre ambas se vê atravessada pelo encontro com Nico, filho de Sara, cuja fragilidade de saúde espelha a da protagonista. Ao longo de uma convivência inesperada, os três embarcam em uma travessia em busca de sentido, que se revela tão física quanto espiritual. Com escrita ágil e emocionalmente precisa, Giovana Madalosso constrói um romance de rara intensidade, em que o corpo se torna metáfora e campo de batalha, e a fé, mesmo rejeitada, surge como possibilidade de enfrentamento. A narrativa expõe o paradoxo de viver tentando evitar aquilo que inevitavelmente nos constitui: a emoção, a entrega e o risco de se deixar afetar.

No cenário vibrante do Rio de Janeiro de 1869, um inesperado encontro literário toma forma: os personagens machadianos, com suas obsessões e ironias, são lançados contra a presença sombria de Vlad Tepes, o conde Drácula. Quincas Borba, recém-chegado da França e decidido a instaurar um gabinete de investigação filosófica, envolve seu assistente relutante, Brás Cubas, em uma missão que rapidamente se desdobra em intriga sobrenatural. Capitu, alvo constante da vigilância conjugal, passa a frequentar palestras de um suposto príncipe da Transilvânia, cuja elegância aristocrática esconde intenções tenebrosas. Sob o disfarce de diplomata interessado em alianças políticas, o vampiro procura seduzir a elite carioca e se infiltrar no coração da corte. A partir daí, a cidade se torna palco de encontros noturnos, perseguições e confrontos entre filosofia e superstição, entre racionalidade e o terror das sombras. Edson Aran constrói uma narrativa em que o humor irônico e a sagacidade machadiana convivem com o ritmo intenso do romance gótico. As divagações filosóficas de Quincas Borba, ora delirantes, ora perspicazes, se entrelaçam ao desespero de Brás Cubas diante das exigências de sua função, compondo um retrato ágil da corte imperial. O resultado é um mosaico que respeita a cadência da crônica social de Machado de Assis, ao mesmo tempo em que absorve a atmosfera de horror e sedução presente em Bram Stoker. Misturando erudição e invenção, a obra propõe um olhar insólito sobre a literatura brasileira do século 19, revelando o potencial de suas figuras clássicas quando expostas ao confronto com forças que ultrapassam o humano.

Rafael, garoto de uma família simples em Santa Catarina, alimenta a esperança de transformar sua vida ao seguir a formação pastoral. Admitido em um colégio interno no Rio Grande do Sul, descobre que o curso teológico havia sido extinto, restando-lhe a alternativa de cursar o magistério. Esse desvio inesperado inaugura uma travessia que ultrapassa o mero destino escolar: abre-se como rito de iniciação e como terreno fértil para as experiências que moldarão sua identidade. O romance percorre os dias e as noites de um internato que, ao mesmo tempo, aprisiona e liberta. Entre amizades, paixões incipientes, escapadas e bebedeiras, Rafael experimenta a intensidade contraditória da juventude, marcada por desejo, solidão e descoberta. A narrativa não se limita à adolescência: em fragmentos atravessados pela memória, vemos também o adulto que retorna sempre ao mesmo ponto, confrontando as marcas do passado e tentando reconciliar-se com o que o constituiu. Marcelo Labes constrói uma escrita de tom confessional e ritmo poético, equilibrando dureza e delicadeza. O texto evoca a precariedade e a beleza da formação humana, expondo os desencontros de quem busca um lugar no mundo e a necessidade de acertar contas com aquilo que permanece irresoluto. Ao explorar o território íntimo com franqueza e intensidade, o autor cria uma obra de ressonância universal, em que a adolescência aparece como espelho da vida inteira. Mais que um romance de formação, trata-se de uma investigação sobre a memória como chão comum e como obstáculo: um convite a revisitar o que fomos para compreender quem ainda somos.

Rodrigo, garoto sensível e observador, atravessa a infância no início dos anos 1990 entre duas casas e dois mundos: o da mãe, com suas cicatrizes silenciosas, e o do pai, igualmente marcado por sombras que ele ainda não consegue compreender. Dividido entre a escola, o futebol desajeitado, os jogos de Playmobil e as férias com os avós, o menino compõe uma cartografia íntima em que cada detalhe se transforma em sinal. As marcas no braço da mãe, semelhantes a pegadas de um hipopótamo, condensam um passado que não lhe é revelado, mas cuja presença lateja na rotina fragmentada da família. Enquanto tenta se ajustar à timidez diante das colegas e à solidão que o cerca, Rodrigo aprende a decifrar o mundo pelos indícios que recolhe. Descobre que os pais viveram no exílio, que foram perseguidos pelo regime militar, mas o que lhe chega é sempre atravessado por lacunas e silêncios. A história pessoal se mistura à história do país, filtrada pela ingenuidade de quem observa sem pleno entendimento. Chico Mattoso constrói o romance com lirismo rigoroso, numa prosa de concisão luminosa. O ponto de vista infantil delimita o espaço narrativo: a realidade se expande conforme a percepção do protagonista amadurece, revelando os conflitos adultos de forma oblíqua e comovente. Assim, a obra se afirma como um romance de formação em que o preço do crescimento é a perda gradual da inocência, traduzida em descobertas mínimas e definitivas. Entre brinquedos, lembranças e inquietações, o que se desenha é o retrato delicado de um país em transição e de uma criança que aprende, a seu modo, a nomear o indizível.

No quinto livro de poemas de sua trajetória, Adriana Lisboa oferece um conjunto lírico em que o gesto poético nasce da escuta atenta do efêmero. A obra se constrói como reflexão sobre o tempo e suas erosões, sobre a fragilidade de cada instante e a forma como o humano se inscreve na trama da existência ao lado do não humano. O que se revela é uma ética da delicadeza, na qual os versos se aproximam daquilo que vive à margem, como plantas, pedras, animais e lembranças mínimas. Ao contrário da eloquência ou da retórica grandiosa, o tom é de discrição e rigor. A voz poética prefere os silêncios, as pausas, a contenção que permite ao sentido emergir com mais nitidez. Cada poema age como uma pequena dobra de pensamento, no qual a linguagem se reconhece como frágil, mas também como lugar possível de abrigo e de revelação. O efeito é de sabedoria rarefeita: uma contemplação que não procura verdades absolutas, mas acolhe a precariedade como condição vital. O livro é marcado pela consciência de que nomear é um ato arriscado, e que a poesia só pode se realizar na tensão entre o dizer e o não dizer. A autora cria imagens em que a impermanência se torna beleza, e a palavra, mesmo sabendo-se insuficiente, afirma a continuidade da vida. Trata-se de um itinerário de contemplação e de resistência, que recusa o dogma e se abre ao assombro, oferecendo ao leitor uma experiência de serenidade lúcida diante do mundo em fluxo.

Uma jovem brasileira parte de sua cidade natal para estudar literatura em Vermont, imersa em um campus funcional e frio, onde o idioma, o clima e a solidão se tornam desafios diários. A rotina universitária, com suas leituras e silêncios, é atravessada pelas conversas constantes com a mãe, mantidas por meio da tela azulada do computador. Essa comunicação cotidiana sustenta os vínculos afetivos, mas também expõe a distância crescente entre duas vidas que, embora conectadas, começam a seguir caminhos distintos. A narradora, introspectiva e sensível, experimenta o desconforto de estar entre mundos: de um lado, a memória das noites em que a mãe a observava discretamente no quarto, no Rio Grande do Norte; de outro, os encontros com colegas imigrantes, que compartilham da mesma sensação de deslocamento. Pequenos gestos, como a pálpebra que pulsa, o murmúrio de vozes sob a janela ou as pausas nas ligações virtuais, adquirem peso existencial, revelando a delicadeza com que o tempo se inscreve no corpo e na consciência. A cada página, o romance explora o impacto da distância na identidade, mostrando como o exílio voluntário pode ser ao mesmo tempo libertação e perda. O suspense não se apoia em acontecimentos externos, mas no adensamento da vida íntima: quem a jovem se torna ao se afastar de casa? Bruna Dantas Lobato escreve com economia e lirismo, criando uma narrativa de ritmo sereno, mas intensamente afetiva. O resultado é um retrato pungente da construção de uma nova vida, sem renunciar aos laços que permanecem como chão e horizonte.