O terror proporciona uma infinidade de modos de se pensar o mundo, os costumes, a vida, e… rejeitar o mundo, os costumes, a vida — pelo menos a vida como a absorvemos sob muitos aspectos desde tenra idade. Manifestações sobrenaturais talvez sejam os únicos fenômenos que o homem não consegue subjugar, decerto por causa de sua incômoda proximidade com a alma humana, ou melhor, com o mais torpe, o mais reles, o mais repulsivo da alma humana. O mundo, um lugar cuja hostilidade persegue-nos sem descanso, cada vez mais, aonde quer que se esteja, fica ainda mais perigoso depois de certas experiências, de certos passeios pelo que quase nunca se revela, e Corin Hardy o compreende muito bem. “A Freira” tenta dar explicações acerca de uma madre católica sofrendo da ação de forças malignas que se fazem sentir com o brutal assassinato de padres de sua congregação. Gary Dauberman e James Wan, os roteiristas, tentam iluminar o gênio buliçoso de Irene Palmer, a religiosa chamada a uma abadia no interior da Romênia, em 1952, para investigar a possessão, mas não escapam do lugar-comum ao usarem jump scares indiscriminadamente, minando a potência do recurso.
Como qualquer um, Irene está inexoravelmente mergulhada em questões muito suas, cujo sentido apenas ela alcança. Irene também atormenta-se, esperando que o Altíssimo a presenteie com a centelha quase mágica do discernimento, atalho que, de quando em quando, o espírito toma em busca da razão, mantida como um raro tesouro a distância dos olhares morbidamente curiosos de quem nos odeia e da perplexidade muda e inconformada das pessoas que nos querem bem. A freira está determinada a investigar a fundo a natureza de Valak, uma entidade que remonta aos tempos do rei Salomão (990 a.C. — 931 a.C.) e que liderava 38 grupos de demônios. Embora ainda não tenha feito seus votos de obediência, castidade e pobreza, ela é escolhida porque desde criança é capaz de notar a presença de criaturas que habitam outras dimensões, e essa é uma arma fundamental na verdadeira guerra que não demora a se instalar. Nas primeiras cenas, uma jovem noiva de Cristo enforca-se, depois de testemunhar a morte de uma outra sóror, e ao fim de alguns dias, um bando de corvos arranca nacos do rosto da infeliz moça. Quem primeiro se depara com o cadáver é Maurice Theriault, o Frenchie, um trabalhador rural que mora numa pequena vila próxima ao convento, procurado por Irene e Anthony Burke, o padre exorcista que o Vaticano destacou para acompanhá-la. Quando o trio está finalmente reunido, retrocedem quinze séculos e desembarcam na Idade das Trevas que permanece naquele castelo fantasmagórico.
Sem alarde, Taissa Farmiga lidera o escrete, destacando-se como um anjo iluminado em meio aos dois homens, aflitos em gradações diferentes. O padre Burke está sempre a um passo da loucura, e Demián Bichir tem sempre uma carta na manga a fim de recolocá-lo nos eixos, como nas vezes em que o esconjurador persegue e é fustigado com rigor por Valak, a personagem-título. Debaixo de generosas camadas de maquiagem, Bonnie Aarons proporciona os momentos de maior tensão do enredo, e é uma pena que não apareça mais. Os tipos criados por Dauberman e Wan, diretor de “Invocação do Mal” (2013) e “Invocação do Mal 2” (2016), travam uma batalha inglória com os cenários de Gina Calin, esses, sim, realmente tétricos. Como já se disse, os sustos — nem tão aterrorizantes a ponto de fazer ninguém pular do assento, mas sustos de qualquer forma — dominam boa parte dos 96 minutos do longa, e Jonas Bloquet encarrega-se do providencial respiro cômico. Em 2023, Michael Chaves saiu-se melhor ao dirigir “A Freira 2”, e “A Freira 3” está previsto para 2025 e continuará a saga da irmã Irene e seu embate contra o diabo. Vamos ver se ela alcança o paraíso.
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