O filme mais bonito que você vai ver na Netflix neste fim de semana Divulgação / Universal Pictures

O filme mais bonito que você vai ver na Netflix neste fim de semana

A luta pela sobrevivência impele-nos a assumir uma postura mais agressiva diante dos outros e esse personagem não demora a ser incorporado a nossa natureza, com o socorro providencial das várias dificuldades que agigantam-se nos cenários extremos em que a vida, caprichosa e vingativa, transforma-se numa arena onde chega-se para matar ou para morrer. Indivíduos são esbulhados de seu arbítrio e de sua sensibilidade e convertem-se numa extensão da consciência coletiva, não pensam mais pela própria cabeça e veem-se obrigados a se submeter a expedientes os mais vis, não por covardia, mas por não poderem contar com mais ninguém. A desordem fundamental que perpassa a vida do homem na Terra ainda não alcançou o estado de tétrico refinamento exibido com ostentação em produções de todos os gêneros, o que não quer dizer que nossa situação seja confortável, ou mesmo admissível. A seu modo, “O Céu de Outubro” espelha as várias mudanças que atravessa o gênero humano de tempos em tempos, e por se tratar de uma história da vida como ela é, prima por lances quase fantásticos. Joe Johnston compõe uma odisseia familiar com lugar de sobra para devaneios e temas sérios, e o roteiro de Lewis Colick ecoa os relatos vívidos de “Rocket Boys” (“meninos foguete”, em tradução literal; 1998), o primeiro volume da trilogia autobiográfica de Homer Hadley Hickam Jr. Lazer garantido e saudáveis reflexões.

O universo é vasto demais para ser governado por gente mesquinha, assombrosamente inepta, cuja visão míope acaba fomentando insurreições de consequências imprevisíveis a se espalhar de galáxia em galáxia até que tudo redunde num enorme buraco negro. Enquanto isso não acontece, mudamos ao sabor das contingências, bem como também causa espécie que nossa natureza mesma reforje-se de acordo com o sem fim de revoluções tecnológicas que seguimos experimentando, mormente nas últimas sete décadas. Em 4 de outubro de 1957, os russos lançaram o Sputnik, o primeiro satélite artificial a orbitar a Terra. De binóculos em punho, como boa parte dos demais terráqueos, os moradores de Coalwood, uma pacata cidadezinha da Virgínia Ocidental famosa pelas minas de carvão, ficaram em êxtase, procurando luzes que dançavam loucas na imensidão do firmamento. Homer, então um rapazote de catorze anos, sonhava tornar-se uma autoridade em tudo quanto dissesse respeito aos mistérios do espaço sideral. Predestinado, ele chega a engenheiro da NASA, a agência espacial americana, mas a infância do personagem central é a matéria-prima de que Johnston carece para seu filme. Homer é um bom aluno, mas não chega a ser exatamente genial em ciências exatas. Ele prefere dedicar-se à obra de Júlio Verne (1828-1905), sem esquecer dos dramas palpáveis que o cercam, a exemplo do que acomete Quentin, o nerd solitário vivido por Chris Owen.

Sem que ninguém mande, Homer, Quentin e mais alguns outros meninos desenvolvem o projeto de um foguete caseiro cujo lançamento provoca um pequeno acidente na casa do vizinho. O segundo míssil quase atinge os mineiros comandados por JohnHickam, o pai de Homer, e não por acaso esse vem a ser um dos conflito do filme, malgrado envolto numa aura de afeto. As crianças isolam-se na floresta, resguardando-se de futuras encrencas, e até convencem um maquinista a ajudá-los a reabilitar uma carcaça de foguete feita de puro aço, usando álcool de uma destilaria ilegal como combustível. Se as tensões entre John e Homer importam, são verdadeiramente imprescindíveis as passagens em que o garoto defende seu sonho da rudeza ignorante da maioria dos cidadãos de Coalwood, que acham que aquele filho de mineiro está indo longe demais. John fica no meio de uma grande encruzilhada moral, porque deseja que o filho seja como ele, mas também sabe que Homer é obstinado e talentoso e merece subir. Os ótimos desempenhos de Jake Gyllenhaal e Chris Cooper respondem por pelo menos nove décimos do que interessa no longa, e Freida Riley, a professora do ensino fundamental de Laura Dern, entra para fazer um contraponto com a dureza cartesiana de Cooper, como uma fada a dar sua bênção aos moleques. Tudo muito mais inocente — e bem mais profundo — do que o engodo das litanias sobre rebeldes sem causa da geração dos influenciadores digitais que não arrumam o próprio quarto.

Filme: O Céu de Outubro
Diretor: Joe Johnston
Ano: 1999
Gênero: Biografia/Coming-of-age/Drama
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★
Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.