O mal assume formas as mais diversas nas sociedades ao redor de todo o planeta, e a produção e o consumo ilegais de entorpecentes é, inegavelmente, uma das mais conhecidas, seja na vizinhança barulhenta do subúrbio de uma cidade grande qualquer ou estendendo seus tentáculos sobre vilarejos perdidos nos rincões de países ricos e pobres, onde seduz as populações mais vulneráveis com suas falsas promessas de ganhos vultosos e aparentemente sem risco, sobretudo homens jovens e de escolaridade limitada, quase sempre negros. Cenário perfeito para a eclosão de episódios violentos, em que gangues enfrentam a polícia de igual para igual, contando com o aparato bélico que conseguem mediante o tráfico de armas — para não mencionar a guerra sem fim de facções que se digladiam entre si pelo domínio de bocas de fumo assombrosamente rentáveis —, a compra e venda de drogas alimenta um mercado que movimenta cerca de 900 bilhões de dólares ao ano em todo o mundo, o correspondente a 1,5% do PIB mundial ou um terço de tudo o que o Brasil produz ao longo de doze meses. É impossível dissociar violência e tráfico, e nesse particular “Sicário: Dia do Soldado” é uma boa contribuição do cinema ao debate sobre a onipresença e a onipotência dessa modalidade de crime. Stefano Sollima estende o filão aberto por Denis Villeneuve em “Sicário: Terra de Ninguém” (2015), estreitando o recorte ao fixar-se na guerra muito particular de um homem contra o narcotráfico depois que o chefe de um cartel acaba com sua família.
Um dos diretores de “Gomorra” (2014-2021), série que desdobra o filme lançado por Matteo Garone em 2008 e que toma por base o livro homônimo do jornalista napolitano Roberto Saviano, de 2006, Sollima recorre a elementos do primeiro filme para sustentar novos pontos de vista. São muitas as tomadas de helicópteros sobrevoando a fronteira entre os Estados Unidos e o México, e os tiroteios ficam cada vez mais próximos, inclusive um em que agentes da imigração perseguem um muçulmano, prestes a detonar uma granada e se explodir. A cena volta a acontecer num supermercado em Kansas City, e o roteiro de Taylor Sheridan parece desafiar os limites do espectador, mais e mais amedrontado. Numa outra frente das investigações, Matt Graver, um negociador do Departamento de Defesa americano, vai à Somália averiguar a razão do grupo terrorista comandado por Bashiir entrar na América pelo país vizinho de maneira tão fácil, e a sequência do interrogatório, durante o qual Graver bombardeia a casa do acusado, deixa o público ansioso pelo que virá depois. Josh Brolin e Faysal Ahmed encarnam os dois lados opostos do conflito apresentado pelo diretor, ao passo que a espiã Cynthia Foards adiciona uma carga de tensão ao que se assiste. Catherine Keener surge num ou outro momento, sempre a depender de Brolin, equívoco que vai entediando.
Sollima esclarece que o plano da Defesa é levar os cartéis a uma batalha interna, o que pouparia trabalho e efetivo. É aí que entra Alejandro, cuja função é caçar Carlos Reyes, um homem de seu passado de quem precisa vingar-se. Benicio Del Toro confere a verdadeira substância dramática da história, e sua relação com Isabel, a filha de Reyes vivida por Isabela Merced, faz do filme um conto niilista sobre honra e abnegação. Alejandro é instruído a dar cabo da garota, mas a protege e essa recusa do fácil, rara na maioria das produções do gênero, eleva “Sicário: Dia do Soldado” à posição de um dos grandes thrillers militares do cinema recente. Embora o trabalho de Villeneuve seja ainda melhor.
★★★★★★★★★★