Não confie em homens que fazem as sobrancelhas

Não confie em homens que fazem as sobrancelhas

Alto lá, bambino! É claro que isso é pura provocação. Confiança não tem nada a ver com fazer ou deixar de fazer as sobrancelhas. Aos 87, mamãe se recupera em casa de graves perrengues de saúde. Nunca assistiu a tantas missas e a tantos programas religiosos pela TV. “Meu Deus, o que fizeram com o rosto do Padre Fábio? Ele está muito diferente…”, ela comenta enquanto dá bicotinhas no café. Não sei se lhe fizeram alguma coisa na face. Na verdade, não me diz respeito, não é da minha conta. Mamãe é fã incondicional do Padre Fábio e da maioria dos párocos que se tornaram celebridades, em especial, um padre caubói que usa chapelão branco de aba larga e se veste com calças justas. “Ele tem uns pernões, né?!”. Eu nem respondo. Às vésperas de completar 90, mamãe enxerga no padre sertanejo um bocado de sexy appeal, o que não deixa de ser um indicativo de que esteja melhorando.

O serviço de harmonização glútea que fizeram no traseiro da juíza Matildes ficou realmente digno de reconhecimento público. Eu a vi queimando calorias no aparelho de spinning, como se carregasse uma bola de basquete de cada lado do quadril. Os homens gostam de fofoca e de uma boa resenha. Comentava-se na academia que a magistrada tivera que se desfazer de um Porsche para pagar o pacote de procedimentos estéticos que incluía desde a troca das próteses mamárias, já combalidas pelo tempo, até a bichectomia; a correção das orelhas de abano; a lipoaspiração do abdome, da papada e dos braços; a harmonização facial, que nunca me pareceu tão desarmônica; a cirurgia íntima e, por fim, a implantação de próteses de 500 mililitros no bumbum, um ato cirúrgico que a forçou a permanecer trinta dias sem se sentar. A pergunta que não quer calar: como será que a ilibada juíza se virava com o número dois?

O brasileiro adora bunda. De tal sorte que a dispendiosa lanternagem e pintura a que se submeteu a meritíssima não passou despercebida pelos frequentadores da academia. Enquanto malhávamos a língua, fomos pegos de surpresa com o comentário ingênuo e impensado de um jovem personal que confessou padecer de complexo de inferioridade por considerar diminutas as dimensões do próprio pênis. Ultimamente, ele vinha economizando recursos para fazer um procedimento de aumento peniano numa clínica de saúde masculina que anunciava maravilhas da medicina de ponta — literalmente — num programa de debate esportivo na rádio. É óbvio que todo mundo ficou tirando o pobre rapaz.

“Perdeu alguma coisa no meu rabo, rapaz?”, ela perguntou com ar autoritário a um sujeito que dava manutenção numa bicicleta ergométrica. Apesar de já adentrada em muito na menopausa, Matildes demonstrava enorme disposição e uma excelente forma física, que lhe garantiam uma aparência artificialmente juvenil. A despeito da venda do tal Porsche, eu não considerava a matrona nem um pouco atraente. Aliás, as feições faciais mudaram substancialmente para pior, fazendo-me supor que o renomado cirurgião plástico, doutor Holyfield, errara a mão ao produzir nela um efeito antagônico, ou seja, uma espécie de demonização facial. Claro que a vida dela não era da minha conta; mesmo assim, fui arrebatado pela melancolia ao admitir que preferia a doutora Matildes de antigamente, com as rugas do rosto bem distribuídas, as orelhinhas de abano, o bigode chinês, os pés de galinha, as pálpebras cansadas, as tetas caídas e o traseiro triste.

Enquanto se deliciava com uma nutritiva sopa de legumes, mamãe pediu que eu sintonizasse o canal da TV Pai Eterno. Era hora da missa. A cerimônia estava sendo realizada dentro do canteiro de obras da futura basílica. A arquidiocese de Trindade tinha acabado de receber o Vox Patris, o maior sino do mundo, que fora fabricado e trazido da Polônia. O aparente ato de megalomania da Igreja, ao admitir a confecção de um sino com dimensões tão descomunais, tão extravagantes, fez-me concluir que, de fato, no frigir dos ovos, tamanho era, sim, documento.

Eberth Vêncio

Eberth Franco Vêncio, médico e escritor, 59 anos. Escreve para a “Revista Bula” há 15 anos. Tem vários livros publicados, sendo o mais recente “Bipolar”, uma antologia de contos e crônicas.