Desde tenra idade, buscamos conexões. Sentir-se incluído pode levar toda uma vida, e enquanto não se chega a esse ponto da evolução humana, parece que falta-nos um pedaço. No caso de Viktor Navorski, a comparação é bem mais que mera figura de linguagem. Durante um voo para os Estados Unidos, dá-se um golpe de Estado na Krakozhia, seu país natal, e Navorski acaba um apátrida, alguém indesejável e inaceitável para o Tio Sam. Em “O Terminal”, Steven Spielberg se lança a um exercício constante do mais refinado nonsense, e diante do fato de que se trata de uma história real, cada um reage de uma forma. O roteiro de Sacha Gervasi, Jeff Nathanson e Andrew Niccol suaviza o tormento de Mehran Karimi Nasseri (1945-2022), um refugiado iraniano obrigado a permanecer no Aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, por ter ficado sem os documentos após um suposto furto. Nasseri viveu no Charles de Gaulle por dezoito anos, onde também morreu, sem perder a esperança de uma solução para o impasse diplomático — e até habituado ao incessante vaivém de passageiros e tripulantes entre um e outro portão. O recorte de Spielberg fixa-se nesse ilógico otimismo, carregando nas tintas da sátira.
Um atarantado Navorski chega da fictícia Krakozhia tentando compreender o que lhe diz o chefe da Alfândega. Ele imagina que Frank Dixon organizou um comitê de boas-vindas para recebê-lo, mas aos poucos vai entendendo no que se meteu. Ao contrário de Nasseri, Navorski tem o passaporte e o visto, mas seus papéis não valem mais, ou seja, não pode voltar para casa e tanto menos ultrapassar os limites do JFK, em Nova York. Cidadão de lugar nenhum, agora sua terra é o saguão de desembarque internacional, e esse primeiro movimento rende uma discussão, ainda que ligeira, sobre quão incerta é a jornada humana. O diretor, no entanto, leva seu filme para uma comédia do absurdo, apostando alto em sua estrela. Não há papel insignificante para Tom Hanks, e aqui o ator consegue surpreender ao encarnar Navorski explorando no personagem nuanças as mais distintas. Hanks pula de Charles Chaplin (1889-1977) para Jack Lemmon (1925-2001), fazendo quase banais as circunstâncias intoleráveis da nova rotina do krakozhiano. Quando percebe que terá mesmo de alojar-se no JFK, dirige-se à plataforma 67, desparafusa bancos para construir uma cama, remove os fusíveis que alimentam o sistema de iluminação e dorme o sono dos justos. Até ser acordado por uma aeronave que taxia a alguns metros.
O JFK é habitat de tipos entre almodovarianos e kubrickianos. Além de Dixon, um sujeito que escancara sua mesquinhez cena após cena, há Gupta Rajan, o rabugento zelador indiano de Kumar Pallana (1918-2013), certo de que Navorski, ostentando um forte sotaque do Leste Europeu, é um espião do FBI encarregado de caçar imigrantes ilegais como ele, e Amelia Warren, uma comissária de bordo que não se livra do relacionamento tóxico com um homem casado. Se Stanley Tucci faz de Dixon o algoz covarde de Navorski, empenhado em fazê-lo escapar ou enviá-lo a outra jurisdição, na pele de Amelia Catherine Zeta-Jones é a cereja do bolo, apresentando outro prisma para essa análise de uma tragédia pessoal insólita à Kafka. Ao cabo dos 128 minutos, “O Terminal” lembra um passeio por alguma dimensão paralela, onde cabe apenas sonhos — em meio a gente que se despede e se reencontra.
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