Os 5 livros que feriram Kafka — e por isso ele os amou até o último dia de vida

Os 5 livros que feriram Kafka — e por isso ele os amou até o último dia de vida

Há quem leia para esquecer, há quem leia para passar o tempo, e há quem leia como quem abre uma ferida com precisão cirúrgica, sabendo exatamente onde vai doer. Franz Kafka estava, com alguma clareza, entre os últimos. Não dizia isso com orgulho. Não havia afetação em sua relação com os livros. Mas havia algo de radical na forma como os deixava entrar. Talvez ele mesmo não soubesse ao certo por que voltava aos mesmos autores, sempre eles, como quem ensaia uma conversa que nunca se completará. O que se sabe — pelas cartas, pelos cadernos, pelas obsessões — é que certos livros não o deixaram em paz. E ele também não pediu que deixassem. Para Kafka, a leitura parecia mais uma espécie de prova moral do que uma atividade estética. Ele buscava tensão, conflito, angústia. Não queria se identificar com os personagens — queria ser desafiado por eles.

“Os Irmãos Karamázov”, de Dostoiévski, foi uma dessas fissuras. Ele escreveu a Max Brod que lia como se estivesse sendo julgado. “As Tentações de Santo Antão”, de Flaubert, o prendia numa repetição ritualística, quase como quem visita um deserto onde já se perdeu antes. E havia Gógol, Dickens, Kleist — vozes que não se harmonizavam entre si, mas que, nele, encontravam ressonância. Kafka não lia para reunir ideias. Lia para ser atravessado por elas. O gesto de reler — que para tantos é um conforto — nele era um retorno ao abismo familiar. Esses cinco livros, mais do que favoritos, funcionavam como espelhos que recusavam devolver uma imagem reconfortante. Cada um, à sua maneira, o desmontava. E era esse o pacto: entrar num texto e sair dele menor, mais inquieto, mais atento ao que dentro de si ainda sangra. Porque há dores que não querem cura. E há leitores que sabem disso. Kafka era um deles.

Revista Bula

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