Há um novo lugar para os afetos, e ele é curado em tempo real, filtrado, publicado, respondido por aplausos digitais. Aparentemente, estamos amando mais — pelo menos no Instagram.
Não se trata aqui de julgar ou de simplificar. É preciso compreender o fenômeno com profundidade: o espaço digital passou a funcionar como um palco da intimidade. Em particular, a arquitetura do Instagram, com seus filtros, destaques, stories e algoritmos, favorece a transformação do afeto em narrativa pública. E a performance do amor, antes restrita a álbuns de família ou declarações tímidas em festas de aniversário, agora se organiza como conteúdo.
As redes sociais não apenas refletem a realidade, moldam-na. E no caso dos relacionamentos, a lógica do compartilhamento constante, da aprovação por curtidas, da validação externa, produz uma camada emocional paralela. Muitos casais relatam sentir mais conexão quando publicam juntos. Outros descrevem uma crescente dissonância: o feed funciona como testemunha de um vínculo idealizado, enquanto o cotidiano escapa, se desgasta, entra em ruído.
Psicólogos de relacionamento e pesquisadores de comportamento digital vêm notando esse descompasso. O amor que se comunica melhor nas legendas do que no diálogo real. A presença que se dissolve enquanto o registro se intensifica. A relação que sobrevive mais como estética do que como experiência.
Esse novo modo de estar em casal exige atenção, porque pode ser sintoma de algo mais estrutural: o deslocamento do amor da esfera do sentir para a esfera do mostrar. O impulso de documentar um jantar, uma viagem, uma celebração não é necessariamente um problema. Mas quando a encenação supera o vínculo, quando o gesto íntimo se dirige mais à audiência do que ao parceiro, algo se transforma. O afeto deixa de ser vivência para virar material.
Do ponto de vista sociocultural, isso não é exatamente novo. O amor sempre teve suas performances. Do cartão escrito à mão ao anel de noivado exposto em público, do porta-retrato na estante à serenata debaixo da janela. Mas há algo qualitativamente distinto quando o canal principal da performance é algorítmico, mensurável, arquivável e, sobretudo, responsivo em tempo real.
As consequências emocionais disso ainda são difíceis de medir, mas já são visíveis: relações que se sustentam mais pela curadoria do que pela construção. Casais que se mantêm unidos pela imagem que projetam e não pelo afeto que cultivam. A exposição constante também amplifica pressões. É preciso parecer feliz, parecer estável, parecer apaixonado. O parecer ganha contornos de urgência.
E paradoxalmente, quanto mais o casal se exibe como perfeito, mais difícil se torna admitir conflitos. As redes criam um eco de idealização, onde não há espaço para a pausa, o erro, a ambivalência — que são, justamente, o que torna o amor real. Não há stories para o silêncio desconfortável, o desgaste das repetições, a negociação permanente do afeto.
Essa diferença entre o amor vivido e o amor exibido pode gerar o que especialistas já começam a chamar de fadiga relacional performativa. Uma exaustão emocional causada pela necessidade de corresponder à imagem pública da própria relação. Trata-se de um tipo de dissonância cognitiva: o casal se vê através do olhar do outro público e passa a duvidar de suas próprias sensações privadas.
No entanto, não se trata de demonizar o Instagram. A rede também permite gestos afetivos legítimos, vínculos reais, declarações sinceras. Ela conecta, reforça, celebra. Mas é preciso distinguir quando essa celebração vira substituição. Quando se ama mais no feed do que na sala. Quando o toque desaparece e sobra a moldura. Quando a imagem do amor engole o próprio amor.
Há também um outro lado. Casais que postam para não esquecer. Que usam o ato de publicar como forma de reaprender o gesto. Que encontram, na encenação, a memória de algo que ainda pulsa. E talvez aí esteja a nuance mais importante. A compreensão de que o amor, como qualquer outro vínculo humano, é também construção narrativa. Só é preciso garantir que a narrativa não se torne prisão.
Nesse sentido, a responsabilidade é tanto individual quanto cultural. Precisamos de mais espaços para afetos honestos, imperfeitos, não editados. Precisamos de plataformas que acolham o intervalo, o ruído, o não dito. E precisamos, sobretudo, de coragem para sustentar relações que resistam à lógica da vitrine.
Talvez seja só isso. Uma forma de se proteger do silêncio com filtro, de ocupar o vazio com cliques. De salvar o que resta, mesmo que apenas em pixels. Alguns casais apagam a luz com o feed ainda aberto. Outros nem se seguem mais.
Mas quase todos, em algum momento, já sorriram mais para a foto do que um para o outro.