Um thriller sobre tipos esquisitões, que sabem de números tanto como de luta, que mistura máfia e autismo, e que ainda sugere um romance entre um protagonista nada convencional e uma mocinha tão pouco linear ou impacta logo nas primeiras sequências ou se conforma em arrastar-se ao longo de mais de duas horas. “O Contador 2” segue fazendo barulho e estrago, e Gavin O’Connor por seu turno mantém a direção algo segura, valendo-se do bom roteiro de Bill Dubuque para situar o espectador na trama ao passo que também tira dele os novos elementos que indicam que esta é uma outra história. Amalgamam-se pela fotografia de Seamus McGarvey os enquadramentos amplos, banhados sob a luz amarelada do sépia e numa resolução bastante granulada — óbvia e poética evocação ao passado —, registros de uma carnificina perversa envolvendo criminosos de facções tradicionais e passagens que remontam a um pedaço da vida de alguém.
“O Contador 2” vibra na frequência dos filmes de ação dos anos 1980, mirando na química entre seus dois astros para capturar de vez o olhar do público. Para os que assistiram ao primeiro filme, é imediata a lembrança, em 1989, de uma casa de apoio a crianças neurodivergentes cujo diretor, um médico ponderado, pede a um casal que o filho deles passe uma temporada no instituto, sob a garantia de ter mais independência e se comportar de uma maneira mais próxima à dos garotos tidos por normais. Na sala de espera, esse garoto, observado pelo irmão caçula, termina a montagem de um quebra-cabeça em tempo recorde, com as peças, reunidas em cima do tampo de vidro de uma mesa, voltadas para o chão. Se no longa de 2016 Christian e Braxton Wolff eram homens sisudos, agora parecem mais meninos travessos — não obstante o feitiço se esgote rápido demais. Agora, Ben Affleck e Jon Bernthal cortam um dobrado para preservar o que pode haver de realmente novo neste longa, assentado sobre a morte enigmática do ambíguo Raymond King, que trocou a FinCEN pela carreira de detetive particular. King, uma participação afetiva de J.K. Simmons, tinha no braço a mensagem que movimenta a segunda parte da sequência, charada que talvez nem Wolff saiba desvendar. Braxton, o irmão criminoso, saberia? Eles têm de pagar para ver.
O espectador não precisa esperar por nenhuma das grandes reviravoltas prometidas pela campanha de marketing estupefaciente. “O Contador 2” é um enredo formulaico, que oferece algumas surpresas tão inauditas quanto homeopáticas, a exemplo de um singelo pirulito na boca de Bernthal em lances tensos no transcurso dos quais a poeira teima em subir. Não, a continuação não é melhor que o primeiro filme, praga que acomete 99,9% das franquias, mas a saga de Christian Wolff quiçá tenha um desdobramento mais estimulante no terceiro filme, como sempre foi o desejo de O’Connor e Affleck. A trilogia encerrar-se-ia com um Wolff menos alheio, apaixonado por Dana Cummings, a personagem de Anna Kendrick, apresentada em “O Contador”. Esperemos.
★★★★★★★★★★