A vida é uma sucessão de desafios, uma saga rumo ao desconhecido, uma eterna luta contra o relógio, em que ter muitos talentos significa não ter nenhum. Há quem perca um tempo precioso querendo agradar o maior número de pessoas possível, pensando que assim pode, quem sabe, agradar a si mesmo. Essa falha elementar vem sendo cometida reiteradas vezes ao longo da história, sempre por alguma razão bastante complexa. Num casamento, esses incômodos reptos costumam vir envoltos numa aura de crueldade especial, já que toda decisão envolve a vida de gente que não responde por si mesma, e então tudo passa a operar como se numa farsa, cheia de lances tragicômicos e de aguçada sensibilidade, da qual todos escapam no fim, depois de uns tantos golpes. “Bem-Vindo aos 40” volta alguns anos, a fim de explicar o que poderia ter havido com Pete e Debbie, um casal de coadjuvantes de “Ligeiramente Grávidos” (2007), também dirigido por Judd Apatow. Aqui, Apatow aprofunda-se nos tormentos familiares depois que da chegada dos filhos, tudo coroado pelo gozo e pelos reveses dos quarenta anos — que não raro atropelam-se.
Ninguém sabe muito bem por que o amor começa, é verdade, mas qualquer um é capaz de elencar um interminável rol de motivos que justifiquem ou ao menos deem alguma explicação sobre seu fim, que em certas ocasiões concorre para outros términos. “Bem-Vindo aos 40” ilumina as divertidas neuroses de Debbie e Pete, nessa ordem, começando a dar-se conta que talvez não almejem mais os mesmos objetivos. Na introdução, o diretor-roteirista estica além do recomendável a figura de Debbie como uma mulher presa de um martirizador conflito de autoidentidade, representado por um controverso bolo com somente 38 velas. Ela e o marido parecem disputar a primazia do tempo, como se a apenas um deles coubesse o lugar de bom profissional e cônjuge amoroso, além de encarnar a imagem do adulto mais querido por Sadie e Charlotte. Nenhum dos dois está muito certo quanto a permanecer nessa relação, mas demoram admitir que podem ter algum futuro longe um do outro, e é por aí que Apatow leva seu filme, uma sessão de psicanálise na qual tomam parte ele mesmo, interpretado por Paul Rudd; Debbie, por seu turno, surge na pele de Leslie Mann, sua esposa na vida real; e as filhas do casal, Maude e Iris Apatow, como Sadie e Charlotte.
Aos poucos, entram na história tipos a exemplo dos pais de Pete e Debbie, que insinuam cada qual uma justificativa para o temperamento deles. Pete não consegue tirar sua gravadora voltada a astros dos anos 1980 do buraco porque empresta dinheiro a Larry sem que a esposa saiba, enquanto Debbie se vira para não passar recibo de fraca ao receber Oliver numa comemoração que por pouco não detona a Terceira Guerra Mundial. Albert Brooks e John Lithgow adicionam uma dose extra de desajuste ao que vinha sendo mostrado, assim como também o fazem Jason Segel e Melissa McCarthy. Tamanha movimentação quase ofuscam o propósito essencial da trama, qual seja, um ódio momentâneo, porém sincero, àqueles que amamos, mas Apatow sabe direitinho como manipular nossas emoções, malgrado o tenha feito melhor em seus trabalhos anteriores. Ainda assim, “Bem-Vindo aos 40” é digno de uma menção honrosa quando se fala dessa tal meia-idade e seus dilemas.
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