O maior filme da carreira de Tom Cruise está de volta ao catálogo da Netflix Divulgação / Paramount Pictures

O maior filme da carreira de Tom Cruise está de volta ao catálogo da Netflix

A sexta empreitada cinematográfica de Ethan Hunt não parece disposta a apenas entreter ou cumprir tabela com acrobacias mirabolantes. “Efeito Fallout” se insinua como algo mais astuto: uma sátira encriptada dentro de um blockbuster, que escancara a miopia de um mundo corroído pela ganância e cada vez mais próximo do abismo. Christopher McQuarrie, em sua segunda vez no comando da franquia, não esconde que, por trás da cortina de perseguições e quedas vertiginosas, espreita uma reflexão sombria sobre nossa insistência em traficar com o colapso. O que parece um delírio conspiratório de roteiro — uma corrida para impedir o acionamento de bombas nucleares — serve como metáfora cortante para o modo como insistimos em extrair o inextratável do planeta, mesmo diante do colapso anunciado. A ironia é que, neste jogo de salvar o mundo, o próprio mundo já parece um náufrago sem balsa.

McQuarrie orquestra a tensão com a precisão de quem compreende que, para o gênero sobreviver, não basta ruído: é preciso ritmo, inteligência e uma harmonia quase musical entre imagem, som e movimento. Ele não repete fórmulas; recicla com sagacidade os componentes essenciais de um thriller de ação, sem cair no engodo da pirotecnia pela pirotecnia. “Efeito Fallout” pulsa com a lógica interna de uma estrutura bem calibrada: montagem que sabe quando acelerar e quando respirar, diálogos que resistem à caricatura, e uma trilha sonora que não busca protagonismo, mas acentua o pulso emocional sem invadir o campo da palavra. Tudo se articula de modo a manter o suspense sempre um passo à frente do espectador — não para confundi-lo, mas para envolvê-lo num jogo de confiança e dúvida.

O cerne narrativo gira em torno do sequestro de plutônio por um fantasma de múltiplos nomes: John Lark, agente infiltrado entre os Apóstolos — nova encarnação da velha ameaça bioterrorista. Seu plano é simples e devastador: detonar três bombas nucleares e redefinir a ordem do mundo. Cabe, então, ao Ethan Hunt de Tom Cruise rastrear esse rastro de radiação, enfrentando não só velhos demônios, como Solomon Lane, mas também os desdobramentos de escolhas passadas que se recusam a permanecer enterradas. A missão, como de costume, parece menos sobre impedir o fim do mundo e mais sobre adiar o inevitável — ou, talvez, redimir o fracasso acumulado em cada tentativa anterior. A inteligência internacional corre, tropeça, colide consigo mesma, mas é no improviso de Hunt que reside a última esperança de restabelecer um equilíbrio já precário.

A Paris do segundo ato surge como um tabuleiro instável, onde cada jogador esconde mais do que revela. É ali que novos nomes entram no jogo: Erica Sloane (Angela Bassett), estrategista fria que encarna a lógica impessoal do Estado, e August Walker (Henry Cavill), cuja musculatura e moralidade duvidosa traduzem um sistema de justiça cada vez mais performático. Walker é o tipo de antagonista que não se revela imediatamente; prefere flertar com a ambiguidade até que o espectador se veja confrontado com a natureza traiçoeira do heroísmo moderno. O filme o trata como espelho distorcido de Hunt — não o vilão clássico, mas o executor pragmático que faz o que precisa ser feito, mesmo que isso inclua destruir tudo o que finge proteger.

Mas a verdadeira tensão do filme não reside na ameaça das ogivas, e sim no duelo entre dois arquétipos de masculinidade em frangalhos. Hunt, solitário, obstinado, visivelmente cansado de carregar o peso de um mundo irredimível nas costas. Walker, sedutor e cruel, usa a fachada de eficiência para mascarar seu prazer pelo caos. Quando enfim se enfrentam, o confronto transcende o físico: é uma colisão entre visões de mundo, entre o cínico travestido de funcional e o idealista fadado à exaustão. McQuarrie filma esse embate com uma clareza que desafia a superficialidade típica do gênero — sem indulgência, mas com uma espécie de melancolia silenciosa pela brutalidade que ambos representam.

A ameaça é neutralizada, como manda o figurino, mas o que resta não é alívio — é o vácuo. “Efeito Fallout” não entrega resoluções reconfortantes. Sua vitória é amarga, quase protocolar. A paz conquistada parece sempre temporária, frágil, sujeita a ser devorada pela próxima insensatez humana. McQuarrie recusa a catarse; prefere deixar o espectador com a incômoda suspeita de que nada, de fato, foi resolvido. O mundo será salvo de novo, mas por quanto tempo? E quem pagará a próxima conta? Nesse vazio pós-clímax, ressoa a grande pergunta que o filme se recusa a calar: e se a maior missão impossível não for salvar o mundo, mas aprender a viver num que já se perdeu?

Filme: Missão: Impossível — Efeito Fallout
Diretor: Christopher McQuarrie
Ano: 2018
Gênero: Ação/Aventura/Drama
Avaliação: 10/10 1 1
★★★★★★★★★★