A informação nunca esteve tão farta e tão acessível. Nunca foi tão simples encontrar dados, opiniões e análises sobre tudo. Entretanto, no frigir dos ovos, essa abundância de informação acaba por constituir um paradoxo curioso. Ao mesmo tempo que há mais gente disposta a informar-se, há mais gente incapaz de digerir o que lê, vê e ouve, e as razões são várias. Por uma necessidade de pertencer, de frequentar um dado círculo, ainda que de maneira virtual e ilusória, toma corpo uma falange de intelectuais de araque, daqueles que colam o nariz na vitrine das livrarias, entram, passam os olhos pela orelha de um certo livro e põem-se a tecer considerações as mais absurdas a respeito do que não leu.
Falar sobre o tema da moda, citar autores sobre os quais o inconsciente coletivo já cristalizou uma imagem ou parecer estar à frente de seu tempo não deixam de ser formas de inspirar respeito e alcançar prestígio. No ambiente profissional, invocar uma dada publicação culmina naquela chance de aumento; no simulacro de vida que as redes sociais congregam, um discurso eloquente e uma erudição mesmo que fingida geram engajamento, que por seu turno chama dinheiro. Afetar conhecimento dá lucro. Por outro lado, empenhar-se em leituras “obsoletas”, buscar a reflexão crítica sobre elas e, o principal, ir além da margem e da superfície, vasculhar o fundo de baús e perder-se pelas estantes das bibliotecas não rende curtidas, não se converte em memes e não traz a sonhada monetização.
Com o avanço da internet, surgiram alguns jeitos novos de pensar. Plataformas como YouTube, TikTok e Spotify oferecem vídeos e áudios com resumos, análises rápidas e conteúdos simplificados. Pessoas que querem parecer bem-informadas valem-se de tais recursos a fim de ter uma noção básica de tópicos diversos e falar qualquer coisa sobre eles. Tomar assento em debates que se pretendem relevantes sem dominar o que é abordado virou tendência, ou hype, para usar um termo bem característico dessa turma. Por uma ou outra razão, os sete títulos aqui elencados acabaram virando exemplo de um requinte intelectual meramente cosmético, símbolos ou de quem acha que está abafando em sua vivência “literária” porque leu (e entendeu) “O Alquimista” (1988), ou daqueles que decoram o título e o enredo de uma obra da verdadeira literatura, feito “Em Busca do Tempo Perdido” (1913), o livro ao qual Marcel Proust (1871-1922) devotou sua vida, e com isso sustentam horas de lero-lero soporífero, papagueando acerca de suas madeleines pretensiosas e que só sabem a ranço. Todos temos o direito de querer-nos maiores do que de fato somos. Envolver os outros na brincadeira é outra história.

“O Alquimista” desperta desinteresse por se apoiar em lugares-comuns, contradições e um uso questionável da língua portuguesa. Além disso, sua superficialidade o enquadra perfeitamente no modelo das obras literárias que simulam sofisticação sem, de fato, alcançá-la. Dentro do universo das produções de gosto duvidoso, esse texto de Paulo Coelho se destaca como exemplar. O autor dá ao público exatamente aquilo que este deseja — uma espécie de rodízio literário, variado, mas carente de refinamento. Isso porque, infelizmente, a esse público foi negada a oportunidade de saborear a verdadeira poesia, tornando-o, no banquete da literatura, não um gourmet, mas um grande consumidor de fast food cultural.

A luta pela sobrevivência impele-nos a assumir uma postura mais agressiva diante dos outros e esse personagem não demora a ser incorporado à nossa natureza, com a providencial ajuda das várias dificuldades que se agigantam nos cenários extremos em que a vida, caprichosa, transforma-se num palco tétrico onde se chega para matar ou para morrer. Indivíduos são esbulhados de seu arbítrio e de sua sensibilidade e se convertem num prolongamento da consciência coletiva, não pensam mais pela própria cabeça e veem-se obrigados a se submeter a expedientes os mais vis, não por covardia, mas por não poderem contar com ninguém. Ao suscitar questões como truculência policial, intolerância, patrulhamento ideológico, políticos ineptos, juventude perdida e delinquente, “1984” é um monumento imperecível à liberdade em seu conceito mais elementar, partindo dele para elaborações bem mais sofisticadas e herméticas, que até passam batidas em meio à insânia do nosso tempo, capaz de converter em democracias governos flagrantemente abusivos e mesmo totalitários. Publicado em 1949 por George Orwell (1903-1950), “1984” de tempos em tempos balança a letargia que abestalha-nos a todos, decerto porque a realidade sempre consegue ser mais cruel.
A Revolução dos Bichos (1945), de George Orwell

“A Revolução dos Bichos” é uma alegoria política escrita por George Orwell (1903-1950) que narra a revolta dos animais de uma fazenda contra seus exploradores humanos. Através de uma linguagem simples e simbólica, Orwell retrata a ascensão e a corrupção do poder, inspirado nos eventos da Revolução Russa e no regime stalinista. Inicialmente, os animais se unem com o ideal de igualdade e liberdade, liderados pelos porcos Bola-de-Neve e Napoleão. Com o tempo, no entanto, o poder se concentra nas mãos de Napoleão, que trai os princípios revolucionários e estabelece uma ditadura ainda mais opressora do que a anterior. A obra critica o autoritarismo, a manipulação da linguagem e a passividade das massas diante da injustiça. Orwell demonstra como ideais nobres podem ser deturpados por líderes ambiciosos, revelando a fragilidade da democracia sem consciência crítica. O livro convida à reflexão sobre o papel da educação, da memória e da resistência em contextos políticos. Sua relevância permanece atual, pois alerta para os perigos do conformismo e da concentração de poder. Com ironia e inteligência, Orwell transforma uma fábula em uma poderosa denúncia social e política.

“O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry, é uma obra atemporal que transcende a classificação de literatura infantil. Através da narrativa sensível de um piloto que encontra um misterioso menino vindo de outro planeta, o autor constrói uma fábula filosófica sobre a essência da vida, da amizade e do amor. “O Pequeno Príncipe” viaja por vários planetas e encontra adultos caricaturais — como o rei, o vaidoso e o homem de negócios — que representam comportamentos e valores vazios da sociedade moderna. Através desses encontros, a obra critica a perda da imaginação, da empatia e da simplicidade com o amadurecimento. A relação entre o príncipe e a rosa, bem como a amizade com a raposa, ensina que o essencial é invisível aos olhos e que somos eternamente responsáveis por aquilo que cativamos. A linguagem poética e simbólica confere à narrativa uma profundidade que convida à reflexão, tocando leitores de todas as idades. Saint-Exupéry propõe uma redescoberta do olhar infantil como forma de resgatar a sensibilidade diante da existência. Assim, “O Pequeno Príncipe” é uma leitura delicada e poderosa, que questiona as convenções adultas e celebra os valores mais humanos.

“Em Busca do Tempo Perdido” é uma das obras mais monumentais da literatura ocidental. Composta por sete volumes, a obra narra a trajetória de um narrador introspectivo que, por meio da memória involuntária — como no famoso episódio da madeleine —, revive experiências e reflexões sobre o tempo, o amor, a arte, a posição do homem na sociedade e diante de si mesmo. O romance rompe com a linearidade tradicional, adotando uma estrutura densa e reflexiva, marcada por frases longas, detalhismo psicológico e observações sociais minuciosas da aristocracia e da burguesia francesas do fim do século 19. A crítica da obra recai sobre a fugacidade do tempo e a busca por sentido através da arte. Proust transforma o cotidiano em matéria literária, elevando experiências triviais a revelações existenciais. A linguagem rica e o estilo introspectivo exigem atenção e paciência do leitor, mas recompensam com uma profundidade rara. A subjetividade extrema e a autoanálise podem afastar leitores menos dispostos, mas são justamente esses aspectos que conferem ao romance sua complexidade e beleza duradoura. Proust redefine a função da literatura: não como representação da realidade externa, mas como acesso à essência do vivido.

Com “A Morte de Ivan Ílitch”, romance publicado em 1886, Liev Tolstói (1828-1910) talvez tenha escrito sua novela mais amarga, muito mais ainda do que “Guerra e Paz” (1867), monumento de mais de mil páginas sobre a baldada invasão napoleônica à Rússia em 1812. Em “Guerra e Paz”, Tolstói elabora um quadro milimetricamente detalhado de uma sucessão de confrontos campais, de natureza sangrenta, portanto, mas nunca se esquecendo de pontuar a narrativa bélica com a vida íntima de uma família. A morte para Tolstói torna-se desde então um leitmotiv vital em seus trabalhos, ainda que o tempere, como já se mencionou, com fatos comezinhos — e é nisso que reside a genialidade do russo. A finitude em “A Morte de Ivan Ílitch” adquire tintas muito mais dramáticas porque 1) trata-se de um homem jovem, mesmo para os padrões do século retrasado, uma vez que o próprio Tolstói passou dos oitenta anos; 2) o protagonista sucumbe a uma enfermidade implacável, que se arrasta ao longo de muito tempo e para a qual nem se sonhava com qualquer possibilidade de cura — isso, sim, uma constante na época em que se passa a história. Tudo leva a crer que se trata de um câncer do aparelho digestivo; 3) poder-se-ia admitir que Ivan Ílitch se fosse ainda moço, o ponto não é esse. O que Tolstói não deixa escapar é o caráter rasteiro da vida que levara. Não fora um biltre, um corrupto, um degenerado. Pelo contrário.

“O Príncipe”, de Nicolau Maquiavel (1469-1527), é uma obra clássica da filosofia política escrita no século 16, cujo objetivo principal é oferecer conselhos práticos sobre como um governante pode conquistar, manter e consolidar o poder. Maquiavel rompe com a tradição moralista dos tratados políticos anteriores ao defender que a eficácia política deve estar acima da ética convencional. Para ele, um bom príncipe deve saber agir com virtude, mas também ser capaz de usar a força e a astúcia quando necessário. A célebre máxima “os fins justificam os meios”, embora não esteja escrita literalmente no livro, resume bem o pensamento maquiavélico. O autor distingue diferentes tipos de principados e maneiras de obtê-los, dando destaque à importância da guerra, da habilidade política e do apoio popular. Maquiavel também analisa o comportamento humano de forma realista, partindo do princípio de que os homens são egoístas e volúveis. Seu retrato do poder é frio e calculista, o que gerou grande polêmica e levou à associação de seu nome com a manipulação e a traição. Apesar das críticas, “O Príncipe” é um marco na separação entre política e moral, influenciando profundamente o pensamento moderno. Seu valor reside menos na defesa de um modelo ideal de governo e mais na análise estratégica da dinâmica do poder. O livro continua atual ao abordar questões de liderança, autoridade e governança com impressionante lucidez e objetividade.