Embora muitas vezes sejam subestimadas pelos sabidos, as comédias românticas tem o seu valor. Além de fazer girar a roda da economia numa velocidade admirável, esses filmes têm algum poder quanto a reoxigenar o imaginário coletivo sobre o amor, os relacionamentos e o mais prosaico das relações humanas. Goste-se ou não, as comédias românticas impactam, e muito, a cultura popular, estendendo seu alcance para bem mais longe que os raios da indústria. Enredos sobre casais que comem o pão que o diabo amassou até que possam, afinal, ficar juntos costumam tocar audiências as mais diversas, ao passo que também são capazes de retratar diferentes épocas e culturas.
Produções a exemplo de “Harry e Sally — Feitos um para o Outro” (1989), dirigido por Rob Reiner; “Um Lugar Chamado Notting Hill” (1999), levado à tela por Roger Michell (1956-2021); “10 Coisas que Eu Odeio em Você” (1999), de Gil Junger; e “O Diário de Bridget Jones” (2001), a cargo de Sharon Maguire, sugerem de que maneira esse gênero pode ser a um só tempo cômico e triste, emotivo e racional. Em meio à selvageria do cotidiano, as comédias românticas regalam o público com uma forma bastante sui generis de escapismo emocional, constituindo um universo paralelo onde os conflitos são resolvidos com leveza, a esperança de finais felizes é renovada e o amor sempre vence. E isso jamais pode ser subestimado. Em tempos de crise, econômica, política, moral, o consumo de filmes otimistas sobe à estratosfera. A suavidade das rom-coms vira, destarte, um mecanismo de fuga com o qual milhões lidam com o estresse, a ansiedade e a fera da solidão.
Comédias românticas não deixam de ser espelhos nos quais a sociedade se vê e se reconhece. Por meio de suas tramas e personagens, diretores, roteiristas e elenco discutem ética, padrões de beleza, a posição que a mulher passou a ocupar na sua própria sexualidade e até iluminam certas pequenas revoluções da História. Mediante uma análise minuciosa sobre as comédias românticas ao longo do tempo é possível afirmar que, sim, o amor mudou — e, por óbvio, nosso jeito de amar. Durante os anos 1950, as comédias românticas cravavam a necessidade da mulher virginal, moldada para o casamento “até que a morte os separe”, o que significava ignorar e mesmo fazer vista grossa para as derrapadas conjugais de seu príncipe encantado. Não passava pela cabeça de ninguém que houvesse outro modelo de família senão o de um pai provedor, uma mãe extremosa e uma prole vasta, de filhos, claro, também heterossexuais. Ao longo das décadas de 1980 e 1990, não só as mulheres assumiram as rédeas das próprias escolhas como a hipocrisia foi arrancada do armário e começaram a surgir gays e lésbicas entre famílias tradicionais, para não falar dos que constituíram seus lares e adotaram ou pariram suas crianças.
As comédias românticas reinventaram-se para acompanhar as transformações do mundo contemporâneo, e em 2025 elas permaneceram na dianteira, em muitos sentidos. Preparamos uma lista com dez dessas tramas “garoto conhece garota” ou garoto conhece garoto, numa evidente mensagem a respeito da metamorfose socioafetiva do cinema. É este o caso de “O Melhor Amigo”, do cearense Allan Deberton, que aborda o despertar da sexualidade e os dilemas juvenis de dois rapazes. Deberton junta-se a outros nove cineastas, de ambos os gêneros, de nacionalidades e origens plurais, constatação irrefutável de que as outrora ingênuas comédias românticas estão bem mais propositivas, quiçá representantes de uma nova era.

A nova adaptação de “O Banquete de Casamento”, dirigida por Andrew Ahn e coescrita com James Schamus, revisita o clássico de Ang Lee com uma abordagem moderna, porém fiel ao espírito original. A história expande o foco para dois casais: Min e Chris, e Angela e Lee, todos vivendo juntos em Seattle. Min, herdeiro coreano, enfrenta problemas com seu visto e propõe um casamento de conveniência com Angela, o que beneficiaria todos. A chegada inesperada da avó de Min, Ja-Young, desencadeia revelações e conflitos. Ahn explora com delicadeza temas como imigração, identidade homossexual, fertilidade, e laços familiares — tanto biológicos quanto escolhidos. Apesar de algumas oportunidades cômicas perdidas, o filme brilha por sua representação cultural sensível e personagens bem desenvolvidos. A ambientação acolhedora e os detalhes culturais enriquecem a narrativa. A honestidade emocional do roteiro destaca que, mesmo com as mudanças sociais, o amor, os conflitos geracionais e a importância das conexões humanas permanecem centrais. O resultado é uma comédia romântica tocante, atual e profundamente humana.

O filme “A Big Bold Beautiful Journey”, com direção de Kogonada e estreia marcada para 19 de setembro de 2025, promete unir romance, realismo mágico e uma profunda carga emocional em uma narrativa visualmente envolvente. A trama segue David (Colin Farrell) e Sarah (Margot Robbie), dois desconhecidos que se encontram durante a viagem para um casamento. Conduzidos por um enigmático GPS, os dois embarcam em uma jornada transformadora que os leva a confrontar seus passados enquanto percorrem paisagens de tirar o fôlego e constroem uma conexão intensa. Reconhecido por obras como Columbus e After Yang, Kogonada imprime sua assinatura estética contemplativa mesclada a toques de fantasia. A trilha sonora, assinada por Joe Hisaishi — conhecido por sua parceria com Hayao Miyazaki — acentua a aura poética do filme. O elenco coadjuvante, com nomes como Phoebe Waller-Bridge, Kevin Kline e Lily Rabe, enriquece ainda mais o enredo. A relação entre os personagens e a simbólica travessia que realizam revelam temas como o amor, a memória e o amadurecimento. Misturando elementos de road movie e comédia dramática, o longa desponta como uma das obras mais promissoras e emocionantes do ano.

Sob a direção de Michael Morris, “Bridget Jones: Louca pelo Garoto” marca o retorno de Renée Zellweger à célebre personagem, agora em uma nova fase da vida: viúva e mãe solo. Baseado no romance de Helen Fielding, o longa retrata Bridget como uma produtora de TV que, encorajada por amigos, decide dar uma nova chance ao amor. Entre seus interesses estão o jovem e animado Roxster, vivido por Leo Woodall, e o introspectivo Sr. Wallaker, de Chiwetel Ejiofor, professor de seu filho. Combinando leveza e emoção, a história aborda temas como luto, reconstrução pessoal e os dilemas da maturidade. Embora preserve o humor característico da série, o filme adota um tom mais contido e emocional, refletindo a evolução da protagonista e de seu público ao longo dos anos. A ausência de Mark Darcy — com Colin Firth em entradas bissextas, mas magnéticas — é sentida, mas se transforma em motor para o aprofundamento emocional da trama. Apesar das críticas à previsibilidade do roteiro e à química instável entre alguns personagens, o longa se destaca pela direção sensível, pela trilha sonora envolvente e pela atuação comovente de Zellweger. Ao final, a produção entrega um desfecho tocante e honesto para a trajetória de Bridget Jones.

Nada é tão terapêutico para alguém que atravessa uma daquelas aniquiladoras crises existenciais da juventude que pensar nas mil esperanças que lugares como a Itália rural guardam, e “La Dolce Villa” revela-se uma história cheia de lances tensos, apesar de amaciados pela paisagem e pela condução quase farsesca. Com tarimba de sobra nesse departamento, Mark Waters faz de “La Dolce Villa” outro agradável passeio pelos tão humanos desejos e contradições, indo de prosaicas brigas intergeracionais às perguntas que vira e mexe tiram o juízo de gente de qualquer idade, porque escondem muitas outras dúvidas — e bem mais incômodas. Olivia, uma ítalo-americana de 24 anos, decide mudar-se para Montezara, uma cidadezinha pacata sofrendo com o êxodo de jovens que partem para Roma ou Milão, e pródiga em casarões em ruínas anunciados pela prefeitura por um euro. Depois de alguns dias de procura, ela opta pela propriedade que fora de um tal Mario Rabugento, e que esconde tesouros da arquitetura e da arte renascentista e barroca por baixo de puxadinhos e demãos de cal, o que, claro, vai demandar-lhe uma pequena fortuna na reforma. Como por encanto, o ex-chef e agora restauranteur Eric, seu pai, chega de Columbus, Ohio, atrás dela e aí o roteiro de Hilary Galanoy e Elizabeth Hackett passa a mirar as tantas instabilidades da relação dos dois, juntando ao eixo da narrativa tipos secundários que ajudam a segurar o público. Francesca, a prefeita de Montezara, parece a mais empolgada com a chegada de Olivia, primeiro porque sua administração depende do sucesso do plano dos imóveis a um euro; aos poucos, a alcaidessa interpretada por Violante Placido acaba por se render à garra da nova moradora e ao charme do pai dela, enquanto Waters cava situações para que Olivia e Eric tenham a chance de se acertar.

“Jane Austen Destruiu Minha Vida” é a estreia promissora da diretora francesa Laura Piani, que entrega uma comédia romântica literária e sensível, com ecos contemporâneos dos romances de Austen. A protagonista, Agathe (Camille Rutherford), é uma livreira parisiense solitária e aspirante a escritora, que embarca em uma residência literária na Inglaterra após seu melhor amigo Félix (Pablo Pauly) enviar secretamente seu manuscrito inacabado. Lá, ela conhece Oliver (Charlie Anson), um descendente distante de Jane Austen, com quem desenvolve uma relação inicialmente tensa, mas que evolui para uma conexão mais profunda. O filme se destaca por seu charme e autoconsciência, equilibrando clichês do gênero com uma abordagem autêntica sobre autodescoberta e superação de bloqueios criativos. A narrativa, embora previsível em sua estrutura romântica, é enriquecida por detalhes delicados, comédia física bem dosada e referências literárias que celebram a leitura e a escrita como atos vitais. A atuação de Rutherford confere à Agathe uma mistura de ternura e humor, tornando-a uma protagonista cativante. Apesar de algumas cenas desnecessárias e excentricidades forçadas, como um baile de fantasias de época, o filme permanece uma ode calorosa ao amor pelos livros e ao romantismo com sensibilidade literária. Ao final, “Jane Austen Destruiu Minha Vida” reafirma que o verdadeiro crescimento pessoal vem de enfrentar desafios internos, alinhando-se aos temas duradouros das obras de Austen.

“Materialists”, segundo longa-metragem de Celine Song após o aclamado “Vidas Passadas”, é uma comédia romântica que desafia convenções ao explorar as interseções entre amor, dinheiro e identidade na Nova York contemporânea. Inspirada na experiência pessoal da diretora como organizadora de casamentos, a trama acompanha Lucy (Dakota Johnson), uma profissional bem-sucedida que organiza relacionamentos com base em critérios objetivos, como renda e aparência. No entanto, sua própria vida amorosa entra em conflito quando ela se vê dividida entre Harry (Pedro Pascal), um milionário generoso, e John (Chris Evans), seu ex-namorado, um ator em dificuldades financeiras. O filme subverte os clichês do gênero ao tratar o amor não como destino ou acaso, mas como uma escolha corajosa que exige vulnerabilidade. Song utiliza o triângulo amoroso para questionar a lógica transacional dos relacionamentos modernos, onde o afeto muitas vezes é mediado por status e segurança material. A estética refinada, com fotografia em 35mm de Shabier Kirchner, e a trilha sonora assinada por Japanese Breakfast, conferem ao longa um tom sofisticado e emocionalmente ressonante. “Materialists” é uma reflexão sensível sobre o que significa amar em um mundo onde sentimentos e cifras se entrelaçam. Com performances carismáticas e direção precisa, o filme reafirma Celine Song como uma das vozes mais promissoras do cinema contemporâneo.

“O Melhor Amigo”, curta-metragem dirigido por Allan Deberton, é uma obra sensível que aborda o despertar da sexualidade e os dilemas da adolescência por meio da relação entre dois jovens, Lucas e Felipe. Ambientado no interior do Brasil, o filme foca na sutileza das emoções e na descoberta do amor em um contexto de amizade aparentemente inocente, mas carregado de tensão emocional e desejo contido. A direção delicada e o roteiro econômico exploram o não dito, trabalhando com silêncios, olhares e gestos mínimos que dizem muito sobre os sentimentos dos personagens. A atuação dos protagonistas é naturalista e convincente, contribuindo para a verossimilhança e a empatia do público. A trilha sonora e a fotografia, com tons suaves e planos fechados, ajudam a criar uma atmosfera intimista, reforçando o conflito interno de Lucas diante de sua identidade e de seu sentimento por Felipe. Ao evitar estereótipos e apostar na sutileza, Deberton constrói um retrato honesto sobre o medo da rejeição, o peso do segredo e a importância da aceitação. O curta, embora breve, toca em temas profundos com maturidade e sensibilidade, tornando-se uma importante contribuição ao cinema LGBTQIA+ brasileiro. Seu maior mérito está em tratar o amor adolescente com humanidade, sem cair em clichês ou apelos dramáticos fáceis.

“My Oxford Year”, novo romance protagonizado por Sofia Carson e Corey Mylchreest, tem estreia prevista para 1º de agosto na Netflix. Dirigido por Iain Morris, conhecido pela série “The Inbetweeners” (2008-2010), o longa conta a história de Anna, uma jovem americana determinada que vai para a Universidade de Oxford realizar um antigo sonho. Tudo corre como ouro sobre azul, até que ela conhece um britânico carismático e inteligente, que muda a história dos dois. A adaptação do livro homônimo de Julia Whelan coube a Allison Burnett e Melissa Osborne, e o elenco inclui Dougray Scott, Catherine McCormack, Harry Trevaldwyn, Esmé Kingdom, Nikhil Parmar e Poppy Gilbert. Intérprete da mocinha, Sofia Carson é também uma das produtoras executivas, ao lado de Caroline Levy, Laura Char Carson, Christopher Simon, Maggie Monteith e Pete Harris. Não é a primeira vez que Carson e a plataforma trabalham juntas: levado à tela por Elizabeth Allen Rosenbaum, “Continência ao Amor” (2022), sobre o casamento de fachada entre uma cantora e um militar prestes a ir à guerra, foi um dos maiores sucessos do currículo da Netflix.

“Oh, Hi!”, dirigido por Sophie Brooks e coescrito por Molly Gordon, é uma comédia romântica que combina humor, drama e traços de absurdo para abordar os conflitos dos relacionamentos modernos. A trama segue Iris (interpretada por Gordon) e Isaac (Logan Lerman), um casal em início de namoro que busca fortalecer a relação durante um fim de semana em uma cabana isolada. No entanto, o que deveria ser um momento íntimo se transforma em um confronto desconfortável ao revelarem divergências sobre o futuro do relacionamento. A atuação de Molly Gordon se destaca, trazendo carisma e profundidade à personagem, enquanto Lerman compõe bem o papel do parceiro hesitante. A química entre os dois sustenta o enredo, mesmo diante de reviravoltas inesperadas. Embora o filme comece de forma promissora, explorando com sensibilidade os impasses afetivos contemporâneos, a introdução de situações caricatas compromete parte da autenticidade emocional inicial. Ainda assim, “Oh, Hi!” oferece uma leitura interessante das expectativas e equívocos nos relacionamentos atuais. Suas boas atuações e proposta instigante tornam a experiência cinematográfica válida, mesmo com certas limitações narrativas.

“The Threesome” é uma comédia dramática que explora os limites do amor moderno, dos relacionamentos e da intimidade emocional. O filme gira em torno de uma relação improvável entre três personagens — um casal estável e uma terceira pessoa que, aos poucos, se insere na dinâmica dos dois, criando uma convivência marcada por tensão, descoberta e desconstrução de padrões afetivos. Chad Hartigan aborda o tema do poliamor com sensibilidade, evitando clichês fáceis e investindo em diálogos introspectivos e cenas sutis que revelam os conflitos internos dos personagens. O trio de protagonistas, composto por Zoey Deutch, Jonah Hauer-King e Ruby Cruz, apresenta uma química convincente, com atuações que transitam bem entre o humor contido e a angústia emocional. A direção aposta em uma narrativa intimista, com planos longos e poucos cortes, permitindo ao espectador mergulhar nos dilemas dos personagens sem julgamentos morais. A trilha sonora suave e a fotografia naturalista contribuem para a atmosfera contemplativa da obra. Entretanto, o ritmo lento e a ausência de grandes reviravoltas podem afastar parte do público mais acostumado a narrativas tradicionais. Ainda assim, “The Threesome” se destaca por sua proposta madura de discutir os modelos de relacionamento contemporâneos, levantando questões sobre identidade, desejo e liberdade emocional. Trata-se de um filme que, mais do que contar uma história, propõe uma reflexão.