O maior fracasso da carreira de Robert De Niro chega ao streaming brasileiro após fracassar nas bilheteiras em 2025 Divulgação / Warner Bros.

O maior fracasso da carreira de Robert De Niro chega ao streaming brasileiro após fracassar nas bilheteiras em 2025

Se há um desafio que o cinema mafioso do século 21 precisa enfrentar, não é mais o da autenticidade, mas o da reinvenção. “The Alto Knights”, dirigido por Barry Levinson, parece ciente disso — ainda que não saiba o que fazer com esse conhecimento. O longa se ancora em uma promessa formal audaciosa: entregar ao público Robert De Niro em dose dupla, interpretando simultaneamente Frank Costello e Vito Genovese, dois titãs do submundo nova-iorquino dos anos 1950. Esse artifício, que poderia servir como catalisador para uma reflexão sobre identidade, memória e ambiguidade moral, acaba funcionando mais como um espelho quebrado: reflete intenções fragmentadas e um passado que insiste em não se recompor. A cena inaugural, com Costello entrando num saguão espelhado que será violentamente rachado por uma bala — disparada sob ordens de Genovese —, é menos um recurso de estilo do que uma alegoria acidental do filme como um todo: repleto de superfícies reluzentes, mas incapaz de sustentá-las.

Há, inegavelmente, uma voltagem dramática latente na proposta de Levinson, especialmente quando se considera o calibre dos nomes envolvidos: Nicholas Pileggi no roteiro, Irwin Winkler na produção e o próprio De Niro no centro da mise-en-scène. Mas essa carga permanece em grande parte não canalizada. Em vez de expandir os contornos trágicos da rivalidade entre Costello e Genovese — que poderia remeter à grandiosidade de “Cassino” ou à melancolia devastadora de “O Irlandês” —, o filme opta por um percurso mais raso, reduzindo o embate a uma disputa de virilidade tardia entre dois homens envelhecidos e ressentidos. O pano de fundo histórico, que poderia ancorar o filme em uma dimensão mais ampla — o declínio da máfia clássica, o surgimento do narcotráfico, a influência política de Tammany Hall — é apenas esboçado. O que sobra é uma narrativa que hesita entre o retrato e a caricatura, sem coragem de escolher um caminho.

A performance de De Niro, embora tecnicamente distinta em cada personagem, oscila entre a elegância estratégica de Costello e a teatralidade exacerbada de Genovese sem encontrar um centro emocional real. Costello é desenhado como um dândi estoico, cuja relutância em exercer a violência o aproxima mais de um diplomata do crime do que de um gângster tradicional. Já Genovese — sempre à beira da explosão, com trejeitos que beiram a paródia involuntária de Joe Pesci — carece da densidade que tornaria seu ímpeto compreensível. Em vez de dialogarem como opostos complementares, os dois acabam se anulando, vítimas de uma construção que privilegia a simetria formal em detrimento da verdade dramática. O duplo papel, que deveria ser uma síntese de contrastes, torna-se uma sobreposição de tiques.

O problema não está apenas nas atuações ou na concepção dos personagens, mas na própria estrutura narrativa adotada por Levinson. A alternância entre entrevistas encenadas, imagens de arquivo e cenas dramatizadas sugere uma ambição documental que nunca se realiza plenamente. O filme tenta extrair profundidade de uma estética de montagem, mas tropeça num ritmo claudicante, ora se prolongando em digressões inúteis, ora colapsando momentos que exigiriam mais fôlego. Até mesmo os episódios historicamente impactantes — como o atentado frustrado contra Costello ou a reunião de Apalachin — parecem encaixados como obrigações cronológicas, e não como pulsos dramáticos orgânicos. O resultado é um longa que se pretende ágil, mas tropeça em sua própria indecisão estilística.

Apesar disso, não se trata de uma experiência estéril. Há lampejos de inteligência visual — como as cenas em que Costello assiste passivamente à televisão, sendo bombardeado por imagens que ecoam seu próprio declínio — e momentos de mordacidade que flertam com o grotesco político. As atuações secundárias de Kathrine Narducci e Michael Rispoli injetam nuances em um ambiente que beira o monocromático, e a trilha sonora, por vezes dissonante, parece comentar sarcasticamente o anacronismo daquilo que vemos. No entanto, essas fagulhas isoladas não se encadeiam em um todo consistente. A história de dois homens que foram amigos, cúmplices e depois inimigos, carece de lastro simbólico para ser mais do que um inventário ilustrado.

O mais inquietante, talvez, é a forma como o filme se recusa a enfrentar o esgotamento de seu próprio universo ficcional. “The Alto Knights” é, em muitos aspectos, a tentativa de revisitar um território já exaurido por seus próprios expoentes. E ao contrário de “O Irlandês”, que se debruçava sobre o peso do tempo e o vazio que resta depois da glória criminosa, o filme de Levinson parece prisioneiro de uma estética sem memória. Há uma reverência protocolar ao passado, mas nenhuma provocação real sobre o que ele ainda significa — ou deveria significar — hoje. A máfia, aqui, não é nem um código moral distorcido nem uma metáfora social: é apenas um figurino cuidadosamente passado a ferro.

Em vez de encerrar com conclusões, vale inverter a pergunta: o que significa, hoje, contar mais uma história de gângsteres em um mundo saturado de suas mitologias? Talvez “The Alto Knights” não fracasse por aquilo que faz, mas pelo que deixa de perguntar. No fundo, seu espelho estilhaçado talvez reflita menos uma crise de personagens do que uma crise de gênero — e, mais profundamente, uma crise de imaginação. É nesse reflexo turvo, entre o que foi e o que já não se consegue reinventar, que o filme se afoga silenciosamente.

Filme: The Alto Knights: Máfia e Poder
Diretor: Barry Levinson
Ano: 2025
Gênero: Biografia/Crime/Drama
Avaliação: 6/10 1 1
★★★★★★★★★★