O que a lista de livros mais vendidos em 2025 no Brasil revela sobre nós

O que a lista de livros mais vendidos em 2025 no Brasil revela sobre nós

Semana, sim, e na outra também, o Brasil metamorfoseia-se numa usina de polêmicas artificiosas, sobretudo num meio que, por sua gênese mesma, teria a obrigação de, antes de mais nada, primar pela civilidade e, em havendo discordâncias, o que é hígido e até louvável, encorajar a análise fria dos assuntos em tela, expediente fundamental para o bom andamento das discussões e das urgências que inquietam e angustiam uma nação inteira. A indigência da política brasileira espelha a penúria intelectual de certa elite, que por seu turno apenas reproduz um padrão mental do que virou o expediente artístico na República da Sunga. O britânico Roger Scruton (1944-2020), um dos maiores críticos de arte de todos os tempos, reconhecia, por óbvio, a importância da fúria das máquinas para o desenvolvimento do homem, para que a humanidade vencesse o desafio da miséria e da fome no rescaldo de tempos de privação e morte, a exemplo do que constatou nos primeiros anos de finda a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Entrementes, Scruton reconhecia que com a sofisticação dos equipamentos e técnicas que aceleraram a produção fabril de modo irreversível e determinante, o mundo fora perdendo muito de sua ingenuidade, sua ternura e, o principal, de sua beleza num processo que se alonga desde então e quiçá jamais cesse.

Foi a partir de argumento tão simples quanto arrebatador que Scruton erigiu uma das mais sólidas carreiras num ramo espinhoso, vindo a ser dos intelectuais que melhor soube precisar para que, afinal, serve (ou deveria servir) a inventividade humana. A jornada do homem é marcada desde sempre por guerras, destruição, subjugação de civilizações mais frágeis por povos hegemonicamente superiores, morte, terror; logo, nada mais natural — e necessário — que nos raros momentos em que alguma harmonia se faz presente, esmeremo-nos por achar a arte, a verdadeira arte, onde quer que ela esteja, inclusive (ou principalmente) na feiura, uma feiura específica, que nasce no aviltamento mais doído a que seres humanos podemos ser sujeitados. Por essas e tantas outras é que a arte não pode jamais desobrigar-se da estrita observação de todos os paradigmas canônicos no que concerne ao refinamento estético. Sobretudo numa certa manifestação artística.

Embora amante do cinema, com o qual tenho ganhado a vida nos últimos anos, assumo que a literatura talvez seja a arte que mais longe o pensamento, ainda que leve muito mais tempo para isso que seu primo mais novo — mas sem essa de “arte superior”, que tais palavras remetem-me de súbito a algum inferno nauseante onde possa estar Hitler. A grande importância da literatura reside em sua capacidade de, diferentemente do cinema, apenas sugerir imagens, que reverberam pelos escaninhos do cérebro devagar, elaborando a reflexão ao passo que escapam da tentação diabólica do comodismo. Lamentavelmente, livros pouco fazem por um país cuja população não entende o que lê, nas raras circunstâncias em que se dá o milagre. Três em cada dez brasileiros entre quinze e 64 anos não têm o poder de digerir o que encontra nas páginas de um texto qualquer, ou seja, permanece ignorante acerca de um assunto qualquer e alheio à discussão dos assuntos que teriam o condão de mudar sua história. O espectro do alfabetismo funcional ronda-nos com a mesma insistência desde 2018, e pode ter se agravado com a pandemia de covid-19, na medida em que alijou estudantes pobres dos espaços públicos de letramento. Essa última informação ajuda a explicar por que, entre os vinte livros de ficção mais vendidos entre 28 de abril e 4 de maio de 2025, Colleen Hoover apareça quatro vezes. Autora de “Verity”, “O Lado Feio do Amor” e dos fenômenos “É Assim que Começa” e “É Assim que Acaba” não é, na verdade, a culpada por seu sucesso. Hoover não teria chegado lá se não fosse um empurrãozinho do tal sistema, que quer-nos todos satisfeitos com nossa estupidez.

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.