Ao passo que a vida não obedece a parâmetros de nenhuma natureza, não se furta a subverter suas próprias regras e deixa estupefato o mais cínico dos homens com seus caprichos, tal como uma megera de maus bofes quando se decide por atazanar quem negara-lhe um favor há muito tempo, o crime não vem perdurando desde que o mundo é mundo se não por um apego doido ao método, sem o qual não seria mais que barbárie e já teria consumido todas as almas que se lhe atravessassem o caminho. A inexpressividade marmórea de Jason Statham, um rosto (e um corpo) já bastante conhecidos do público em enredos como este, realçam na medida o caráter eminentemente viril de “Infiltrado”.
O filme de Guy Ritchie fala a uma maldade em estado bruto, mas judiciosa, que eleva a violência essencial que existe em cada um de nós à condição de refinado mecanismo que permite-nos continuar no jogo. Patrick Hill, o personagem de Statham, é um tipo que sabe tirar muitos coelhos da cartola, avesso a qualquer possibilidade de ficar a reboque das diversas circunstâncias que, inexoravelmente, convertem-se em desafios perigosos em cuja essência estão mistérios quase indevassáveis. Ritchie vale-se da rudeza de seu protagonista para engatar uma história comum à primeira vista, mas que conta com uma virada bastante original.
O cinema mais ganha do que perde com figuras como Statham, a exemplo do que crava o roteiro do diretor, assinado com Éric Besnard e Nicolas Boukhrief. Existe um universo de críticos que não podem ouvir falar em Statham e tudo o que ele representa para o cinema — leia-se a indústria cinematográfica, isto é, Hollywood. Esses são os que devotam seu ódio elitista a qualquer produto (e essa é a palavra mais ajustada aqui) que lembre minimamente narrativas em que um brucutu avança com socos e chutes mortais contra uma falange de outros marmanjos dados às fanfarronices que fazem incontestável seu sangue azul no reino do cinema macho por duas horas. Como todo preconceito encerra escolhas, conscientes ou nem tanto, os sabidos perdem boas chances de avaliar o expediente de se fazer um filme sob perspectivas inovadoras, o que também é parte de seu ofício. Definitivamente, eles não têm ideia do que estão perdendo.
Aqui, Statham encarna Hill, o H, buscando as zonas cinzentas de um homem que decerto guarda segredos indigestos, embora ninguém saiba exatamente de que ordem. H é o novo contratado da Fortico, uma empresa de carros blindados de Los Angeles, e já na primeira semana de trabalho passa a ser visto como um herói, por conseguir salvar a vida de Bullet, o chefe interpretado por Holt McCallany, matando seis assaltantes a distância sem sofrer um único arranhão. Por óbvio, tanta dedicação ao posto e, o mais importante, tanta perícia despertam a suspeita dos colegas, e a adaptação do filme francês “Assalto ao Carro Forte” (2004), de Boukhrief, mantém o padrão do gênero, com gângsteres, seguranças e policiais, todavia derivando para a abordagem neonoir que apresenta H como um espírito vingador, empenhado em castigar o homem que assassinou seu filho.
“Infiltrado” é um filme especialmente divertido, que sabe como poucos tocar o espectador em zonas muito íntimas, onde mal e bem passam a misturar-se sem cerimônia, e a partir desse fato, entende-se muito sobre a razão de o mundo ser é como é. Na pele de Boy Sweat Dave, Josh Hartnett tem bons momentos na introdução, sempre amparado por Statham, que responde quase sozinho por muito do delicioso caos dessa refilmagem pirotécnica, afim aos novos tempos.
★★★★★★★★★★