Chegou agora na Netflix e já é um fenômeno global: o novo filme com Willem Dafoe que está entre os mais vistos do mundo Divulgação / Bankside Films

Chegou agora na Netflix e já é um fenômeno global: o novo filme com Willem Dafoe que está entre os mais vistos do mundo

A vida no crime exige habilidades que vão além do mero talento para subverter normas. Aqueles que se aventuram por este terreno árido, povoado de emboscadas e de planos que falham, sabem que pensar rápido é tão essencial quanto o próprio êxito de uma empreitada. O protagonista de “Dentro”, um ladrão de arte meticuloso, sempre considerou sua astúcia infalível, até se ver aprisionado em uma cobertura de Manhattan. A trama se desenrola a partir desse impasse, revelando um homem que se tornou peão em um roubo milionário orquestrado por figuras que permanecem nas sombras.

O cineasta grego Vasilis Katsoupis investe na construção de um suspense silencioso, equilibrando drama e ação em um ambiente limitado, onde o verdadeiro inimigo parece ser o tempo e a própria mente do protagonista. A ausência de um passado claro ou de motivações explícitas confere ao personagem uma aura enigmática, refletida na interpretação vigorosa de Willem Dafoe. O filme, composto por sequências que capturam a degradação física e moral do protagonista, provoca inquietação, mesmo quando opta por não esmiuçar as razões que levaram o homem ao confinamento.

Dentro da narrativa, Nemo, o ladrão sem identidade definida, desativa o sistema de segurança da suntuosa residência com a destreza de quem já fez isso inúmeras vezes. As obras que pretende furtar pertencem ao expressionista austríaco Egon Schiele, conhecido por sua abordagem visceral dos autorretratos e pelo trágico falecimento aos 28 anos, vítima da gripe espanhola. Embora a relação simbólica entre o artista e o criminoso não seja explorada de modo evidente, a frustração latente de Nemo sugere um paralelo tênue: ambos imortalizados em um instante de vulnerabilidade.

A trama ganha camadas adicionais quando o filme revela nuances do passado do protagonista: um artista frustrado, obcecado por seus esboços na infância, numa tentativa de preencher vazios emocionais que jamais foram compreendidos. A falha no sistema de segurança, que prende Nemo no interior da cobertura, desencadeia um confronto existencial, intensificado pela atmosfera claustrofóbica e pela ausência de perspectivas concretas de fuga.

A degradação física, pontuada pelo som metálico da geladeira que toca “Macarena” (1993) enquanto exibe seus poucos mantimentos, reforça o clima de ironia amarga. A água que não corre, os dejetos que se acumulam e o calor sufocante transformam o apartamento em um espaço hostil, ressignificando o conceito de cárcere. A interpretação visceral de Dafoe, marcada pela exposição crua de um corpo que reflete a erosão interna do personagem, intensifica o peso dramático da narrativa.

O tom surreal ganha contornos ainda mais agudos com a presença da faxineira Jasmine, que, embora alheia ao drama interno do protagonista, torna-se um símbolo de esperança inatingível. O contraste entre o universo enclausurado de Nemo e a liberdade despreocupada da personagem reforça a sensação de impotência que permeia toda a obra.

Enquanto o protagonista tenta, desesperadamente, improvisar uma rota de fuga, empilhando móveis e enfrentando os extremos de temperatura, a trama se assemelha a um experimento de resistência física e mental. A busca pela claraboia, última conexão com o exterior, torna-se metáfora de uma aspiração inalcançável. O design de produção, que transforma o apartamento em um cenário de sobrevivência quase distópica, amplia a reflexão sobre a autossuficiência e a desesperança.

O desfecho evita respostas fáceis, deixando em aberto o destino de Nemo. A ambiguidade final, que sugere um aprendizado doloroso e uma possível redenção, convida o espectador a refletir sobre os limites da liberdade e as consequências de escolhas imprudentes. “Dentro” não se contenta em apenas entreter; ele nos desafia a encarar nossas próprias prisões internas.

Filme: Dentro
Diretor: Vasilis Katsoupis
Ano: 2023
Gênero: Suspense/Thriller
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★