De saída da Netflix: o filme mais perturbador de Michael Bay — 144 minutos de tensão ininterrupta Christian Black / Paramount Pictures

De saída da Netflix: o filme mais perturbador de Michael Bay — 144 minutos de tensão ininterrupta

Ao longo da história, a figura do herói frequentemente emerge dos embates violentos que definem os rumos da humanidade. Aclamados por feitos de coragem extrema, homens e mulheres tornam-se ícones ao enfrentar situações adversas que desafiam seus próprios limites. Contudo, a sedução provocada pelo clangor das armas e pelo rastro de destruição que deixam, muitas vezes obscurece caminhos alternativos, pautados pela diplomacia e pelo diálogo.

A predisposição humana em recorrer à força diante de divergências parece enraizada em um instinto primitivo que, ao romper a tênue linha da civilidade, transforma desentendimentos em confrontos sangrentos. Paradoxalmente, conflitos de larga escala frequentemente têm origens triviais, frutos de equívocos ou rivalidades que poderiam ser apaziguadas com disposição e sensatez. No entanto, o culto à guerra persiste, e os dados mais recentes da Organização das Nações Unidas (ONU) estimam que, atualmente, existam cerca de trinta zonas de guerra ao redor do mundo, majoritariamente impulsionadas por disputas territoriais, tensões étnicas ou rivalidades religiosas, além de disputas por recursos naturais.

A Líbia, palco de confrontos incessantes desde 2011, é um exemplo emblemático da complexidade de conflitos que se perpetuam no tempo. O levante contra Muammar Gaddafi, que se consolidou no poder por mais de quatro décadas após liderar um golpe de Estado em 1969, trouxe à tona as profundas fissuras de um país cuja identidade sempre foi marcada pela tensão entre tradições tribais e influências ocidentais.

Gaddafi, figura controversa e excêntrica, construiu um regime sustentado por uma mescla de autoritarismo e simbologia revolucionária, ao mesmo tempo em que cultivava uma imagem contraditória, ora se declarando defensor dos oprimidos, ora impondo sua vontade com mão de ferro. Sua queda não significou o retorno à estabilidade; ao contrário, expôs a fragilidade de um sistema político que colapsou, resultando em uma guerra civil que se transformou em uma crise humanitária de proporções alarmantes.

Michael Bay, ao dirigir “13 Horas: Os Soldados Secretos de Bengazi”, evita revisitar a longa e intricada trajetória política da Líbia, preferindo focalizar o drama humano no epicentro da turbulência. Sua narrativa, repleta de cenas que oscilam entre o heroísmo exacerbado e a melancolia silenciosa, captura a atmosfera caótica de um país que se tornou símbolo de disputas geopolíticas mal administradas. A lente de Bay, conhecida por sua estética grandiosa, encontra no relato dos soldados um pretexto para explorar as contradições da presença militar ocidental no Oriente Médio, um território onde ideais de liberdade frequentemente colidem com os interesses estratégicos das grandes potências.

O retorno de Jack Silva, interpretado por John Krasinski, à realidade brutal de uma missão no exterior — após uma frustrada tentativa de reconstruir a vida civil — sintetiza a desesperança que permeia o contexto líbio contemporâneo. O roteiro, adaptado por Chuck Hogan a partir do livro de Mitchell Zuckoff, constrói um retrato vívido do caos, pontuado por situações de extrema tensão e escolhas moralmente ambíguas. A figura do soldado, dividida entre o desejo de sobrevivência e o senso de dever, expõe a dualidade de um conflito onde inimigos e aliados muitas vezes compartilham os mesmos traços de vulnerabilidade.

À medida que a trama avança, torna-se evidente que a guerra, longe de ser uma simples disputa por território ou poder, adquire contornos existenciais. A ausência de uma lógica clara no embate faz com que o espectador questione a própria validade de operações militares em regiões tão desgastadas pela violência sistêmica. Nesse sentido, Bay não busca justificar as intervenções ocidentais, mas sim lançar um olhar crítico sobre a espiral de destruição que se instala quando as soluções políticas falham. O impacto visceral da narrativa não se limita à exposição da brutalidade física, mas também convida à reflexão sobre o papel dos soldados no tabuleiro internacional.

O filme não busca a glória de seus protagonistas; antes, revela os dilemas internos que os corroem, explorando a fragilidade de homens que, apesar da formação militar rigorosa, não estão imunes às incertezas. A crítica de Bay às políticas intervencionistas é sutil, mas presente, deixando claro que o heroísmo forjado no campo de batalha não redime a incapacidade diplomática que precedeu o confronto. Assim, o espectador é confrontado com a crueza de uma realidade em que, muitas vezes, as vitórias militares não representam avanços reais para as nações envolvidas.

A conclusão deixa um amargor difícil de dissipar. A precariedade da paz na Líbia contemporânea sugere que o custo humano das decisões políticas raramente é contabilizado de maneira justa. A última imagem — soldados exaustos, marcados pela perda e pela frustração — reforça a ideia de que, em conflitos assimétricos, onde a linha entre o certo e o errado se dissolve, não há triunfos que possam ser celebrados sem ressalvas. O horizonte permanece incerto, e a sensação de perda coletiva ultrapassa os limites da tela, ecoando na realidade de um país que ainda luta para redefinir seu próprio destino.

Filme: 13 Horas: Os Soldados Secretos de Benghazi
Diretor: Michael Bay
Ano: 2016
Gênero: Ação/Drama/Guerra/Thriller
Avaliação: 8/10 1 1
★★★★★★★★★★