“Outro Pequeno Favor” tem o condão de equilibrar-se entre o drama, o mistério, a investigação de um crime quase óbvio e uma comédia que não se furta a assumir tons ridículos sempre que pode. Em mãos imprudentes, a audácia decerto degeneraria num arrastar sem fim de cenas que nem teriam graça nem empolgariam ninguém, mas Paul Feig tem tarimba o suficiente para lidar com as complicações de cada um desses gêneros, e em todas as cenas de seu filme é notória a sensação de que os elementos, um por um, encaixam-se de modo a fazer da história uma unidade assombrosamente coesa.
O diretor parece querer reproduzir, em escala industrial, os acertos de “Missão Madrinha de Casamento” (2011), aos quais junta os componentes detetivescos de “Garota Exemplar” (2014), o clássico do cinema contemporâneo dirigido por David Fincher acerca de uma esposa acima de qualquer suspeita que enreda o marido no próprio desaparecimento. Na continuação do insano “Um Pequeno Favor” (2018), igualmente dirigido por Feig, o roteiro de Darcey Bell, Laeta Kalogridis e Jessica Sharzer insiste num determinado mistério que o longa de Fincher explora bem; entretanto, à medida que volta-se ao filme de sete anos antes, fica clara a intenção deste novo enredo, surpreendentemente original.
Stephanie Smothers, uma dona de casa do subúrbio de Nova York, depois de Nova Jersey, mantém um canal sobre afazeres domésticos numa plataforma de vídeos, mas encontra (muito) tempo livre para se voluntariar em todas as atividades da escola do filho, Miles, a ponto da professora do garoto ser obrigada a insinuar que os outros pais também queiram tomar parte na condução dos trabalhos pedagógicos e extracurriculares da turma. Esse seria o ambiente perfeito para se fazer novos amigos, que ligados entre si pelo mais urgente dos assuntos, mas a todo instante paira sobre Stephanie a névoa de tensão com a qual convive muito bem, e, em sendo assim, os anos se sucedem e ela permanece completamente isolada, criando sozinha o filho único depois da morte trágica do pai da criança e o meio-irmão que conheceu no dia do velório do pai.
Feig volta a um ou outro enigma de “Um Pequeno Favor”, preparando a audiência para entrar na trama da vez, fixada num crime estapafúrdio que envolve doppelgängers e uma psicopata à solta em Capri — referência óbvia ao giallo, o gênero italiano que engloba suspense e romance policial cujo apogeu remonta às décadas de 1960 e 1980. Anna Kendrick como Stephanie e Blake Lively na pele de Emily Nelson e Charity McLinden travam uma disputa pela preferência de quem assiste, mas a tia Linda McLinden de Allison Janney rouba a cena numa sequência desvairada do encerramento, o que talvez signifique a terceira parte.
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