Uma comédia que caminha na corda bamba entre o descompromisso e a sátira velada ao próprio gênero do qual faz parte. “O Tesouro da Montanha Nebulosa”, não busca trazer inovações e nem parecer engenhoso: ele as repete, parodia e esgota — com uma mistura de afeto, ironia e uma inteligência que se esconde atrás do pastelão. Há um certo prazer na maneira como Ben Marshall, John Higgins e Martin Herlihy escolhem rir de si mesmos, encarnando versões fracassadas e ligeiramente patéticas de suas próprias personas. O que poderia ser apenas autorreferência gratuita acaba se tornando um ponto de partida para uma jornada tão absurda quanto autoconsciente.
A história tem a espinha dorsal das aventuras juvenis já exauridas pelo cinema dos anos 1980, temperada com a disfunção emocional típica de personagens que evitam crescer. Três amigos atolados na apatia da vida adulta decidem sair em busca de um tesouro escondido nas montanhas. Não há, aqui, qualquer preocupação em mascarar a previsibilidade da trama. Ao contrário, ela é exposta, amplificada e usada como terreno fértil para uma sucessão de gags metalinguísticas, que ora funcionam, ora cansam. É como se o filme admitisse, desde o início, que não tem nada novo a dizer — e justamente por isso, se dá o direito de dizer tudo do jeito mais ridículo possível.
Boa parte da força da narrativa está no entrosamento evidente do trio protagonista. A amizade que os une transborda da tela sem esforço, e essa naturalidade preenche os intervalos entre piadas bem sacadas e momentos arrastados. Sequências como a que os coloca patinando até o trabalho ao som de uma trilha nonsense, ou a súbita aparição de um número musical deslocado, revelam um humor que não se apoia na estrutura, mas no caos. As piadas visuais e os cortes abruptos têm mais a ver com esquetes do “Saturday Night Live” do que com a lógica tradicional de um longa-metragem. E essa ruptura entre forma e função, embora nem sempre funcione, confere ao filme uma identidade esquisita, difícil de ignorar.
Há, inevitavelmente, os tropeços esperados: clichês como um culto excêntrico escondido na floresta ou o vilão obcecado por relíquias ganham espaço sem grande frescor. Mas o roteiro parece tratar esses elementos como figuras de uma enciclopédia de absurdos — eles estão lá porque sempre estiveram, e o filme não finge originalidade. Ao invés disso, oferece um olhar irônico sobre sua própria construção, como se dissesse: “sabemos o que estamos fazendo, e sabemos o quanto isso já foi feito antes”.
Mesmo sem ambições elevadas, o filme evita deslizes que tantas comédias do gênero cometem. Há uma notável ausência de personagens femininas reduzidas a estereótipos. Quando surgem, como as patrulheiras interpretadas por Megan Stalter e X Mayo, elas escapam da caricatura e ganham espaço para explorar, ainda que brevemente, nuances próprias. Os coadjuvantes são mais que figurantes cômicos — contribuem para o senso de mundo torto que o filme constrói. Há também uma surpresa agradável na narração de John Goodman, carregada de metacomentários e piadas que brincam com a própria existência da narrativa.
Contudo, o humor instável, que ora acerta com precisão, ora se estende além da conta, compromete a coesão do conjunto. Nem todos os esquetes funcionam, e os momentos realmente inspirados se perdem em uma sucessão de ideias que parecem ter sido aprovadas mais pelo impulso do que por necessidade dramática. O filme não se arrasta, mas também não voa. Mantém um ritmo seguro, acomodado na zona de conforto de quem sabe que está criando algo feito para durar o tempo exato de uma distração leve.
Não à toa, a decisão de lançá-lo direto no streaming soou coerente. “O Tesouro da Montanha Nebulosa” não pede a escuridão da sala de cinema nem o ritual da experiência coletiva. Ele se encaixa melhor na lógica do clique despretensioso, do “ver algo leve antes de dormir”. Nesse registro, entrega exatamente o que promete: uma sucessão de momentos cômicos, uma boa dose de autorironia e um elenco afinado com a proposta. Não tenta ser mais do que é — e talvez essa honestidade seja seu maior mérito.
Um filme que acena para o espectador sem gritar, ri com ele sem condescendência e se despede antes que o cansaço vença o encanto. E se não se torna inesquecível, ao menos escapa do limbo do genérico, por saber rir de si próprio melhor do que muitos que se levam a sério.
★★★★★★★★★★