Nana Caymmi (1941–2025): a voz que sabia sofrer em silêncio

Nana Caymmi (1941–2025): a voz que sabia sofrer em silêncio

Nesta quinta-feira, 1º de maio de 2025, morre no Rio de Janeiro Nana Caymmi, uma das maiores intérpretes da música brasileira. Aos 83 anos, despede-se sem ruído — como quem sabe que a eternidade não precisa de anúncio.

Há vozes que atravessam a vida como facas delicadas. Outras, como brisas suaves. A de Nana… bem, a de Nana era maré. Ora brava, ora mansa. Sempre imprevisível, mas incontornável. Daquelas que sabiam exatamente onde doía — e iam até lá. Sem pressa.

Filha de Dorival Caymmi, o pai mitológico da canção baiana, e da cantora Stella Maris, Nana nasceu em 29 de abril de 1941, no Rio de Janeiro, mas trazia o sal da Bahia nos gestos, no canto, no silêncio. Cresceu cercada por músicos e partituras, entre a sombra gigante do pai e a dignidade sonora da mãe. Desde cedo entendeu que cantar não era só técnica — era pausa, ébrio recuo, palavra escolhida com precisão de dor.

Estreou oficialmente nos anos 1960, mas não se moldou ao tempo. Enquanto o Brasil fervia em festivais e tropicalismo, Nana mantinha-se firme no tom grave, no gesto mínimo, na canção sem pressa. Preferia o tempo ao aplauso. Preferia a verdade à moda.

Foi nos anos 1980 e 1990, com discos como “Mudança dos Ventos”, “Bolero e Resposta ao Tempo”, que a crítica enfim se rendeu. “Resposta ao tempo”, em especial, tornou-se mais do que canção — virou ritual, oração laica, epitáfio de um Brasil que sabe sofrer calado.

Porque Nana não apenas cantava: ela habitava cada verso como quem aceita um destino que nunca pediu, mas dignifica com classe. Interpretava com a dor de quem viveu cem vidas, mas ainda achava beleza no que restava.

Gravou Jobim, Milton, Lô Borges, Ivan Lins, Dolores Duran, Francis Hime. Resgatou esquecidos, revivificou clássicos, emprestou grandeza ao que tocava. Sua voz não implorava por aplauso: ela impunha respeito. Com seus silêncios. Com suas pausas. Com sua distância.

Na vida pessoal, foi intensa, discreta, irônica. Nunca quis ser simpática — quis ser verdadeira. E foi. Sempre. De um jeito só dela.

Hoje, o Brasil perde uma voz — mas não qualquer voz. Perde a artista que ensinou que o drama não precisa gritar, que a emoção pode sussurrar, que a beleza, às vezes, chega com timidez — e fica para sempre.

Se existe um céu onde as canções se tornam eternas, Nana talvez esteja agora ali, debruçada em alguma janela metafísica, observando o tempo passar — como sempre fez — com aquele olhar firme, um pouco cansado, muito altivo.

E nós, por aqui, ficamos com o silêncio depois da última nota.

Ficamos com os discos, com as pausas, com os sussurros — e, sobretudo, com saudade.


Carlos Willian Leite

Jornalista especializado em jornalismo cultural e enojornalismo, com foco na análise técnica de vinhos e na cobertura do mercado editorial e audiovisual, especialmente plataformas de streaming. É sócio da Eureka Comunicação, agência de gestão de crises e planejamento estratégico em redes sociais, e fundador da Bula Livros, dedicada à publicação de obras literárias contemporâneas e clássicas.