Autor: Eberth Vêncio

 Cristo da intolerância e do ódio

 Cristo da intolerância e do ódio

Era páscoa. Conhecia o Torquato — ou não — há quarenta e cinco anos. O nosso encontro aconteceu numa tradicional pizzaria da cidade, tempos depois da eclosão do ovo da serpente, que tinha dado vida e ascensão meteórica à extrema-direita política no país. Ele era um pouco mais velho do que eu, um amigo das antigas, um dos homens mais gentis, probos e educados com quem tive o privilégio de conviver.

Não há amor e dor em Marte

Não há amor e dor em Marte

A escuridão noturna servia de palco para a quietude de um quarto, quebrada apenas pelo pulsar súbito de uma tela de telefone. Era o sinal de uma mensagem indesejada, dessas que carregam o peso do mundo em suas palavras e despertam a alma da mais profunda inércia. Nas linhas digitadas por Torquato, desdobrava-se o relato de uma tragédia inimaginável, a perda da jovem Clara, sua filha. Com corações suspensos pela dor e pela incredulidade, seguimos suas palavras.

Teste de felicidade no sangue: POSITIVO

Teste de felicidade no sangue: POSITIVO

Mesmo sendo um profissional da área, chegava uma fase da vida em que a gente comemorava resultado de exame médico como se fizesse um gol de placa. Tipo soco no ar, dancinha espalhafatosa ou a camisa jogada para a galera. Que fase. Recebi com indisfarçável alívio a minha bateria de exames anais, ou melhor, a minha bateria de exames anuais. A despeito do fura-bolo do urologista — aquele colega frio e insensível — estava tudo bem comigo.

A oficina do diabo

A oficina do diabo

Mais do que mirá-lo, uma página em branco latia-lhe sem pistas de decifração, prestes a devorá-lo: “E agora, o que vai ser, caro escritor? Somos apenas eu, você e essa baita falta de inspiração”. Não tinha um osso para atirar a si mesmo. Por um instante, amofinou-se, desistiu de escrever. Abriu os jornais e se banhou de sangue. Ligou a TV onde um padre de chapéu branco e calça colada vendia colchões magnéticos. Chorou o mais alto que pode, mamãe não escutou — morrera de desgosto. Tentou rezar, só que Deus não acreditava mais nele. Restava se afobar.

Mulheres são demônios que leem a mente

Mulheres são demônios que leem a mente

Gostava de frequentar as feiras gastronômicas. Essas feirinhas noturnas, de rua, onde a gente se fartava com espetinhos de gato, pastéis de vento, cerveja gelada e conversa fiada. Tava faminto. Comia com os olhos as pernas de uma mulher desconhecida que tagarelava sem parar segurando uma criança de colo de um lado e um copo de cerveja do outro. Belas panturrilhas tinha a equilibrista.