Histórias sobre criminosos que desfilam na corda bamba da existência, na qual permaneceriam para sempre, até que sofrem o grande baque que derrubam-nos justamente em seu ponto fraco, o orgulho profissional, estão em alta. Hollywood nutre verdadeira ideia fixa por brucutus que, a certa altura do caminho, sentem necessidade de mudar de vida e buscam desesperadamente a redenção, e torna a lançar mão dessa premissa em “O Jogo do Assassino”.
O filme de J.J Perry, sobre um matador a soldo temido e internacionalmente requisitado, impassível, gélido, que faz seu trabalho sem se deixar envolver com os dramas e as tragédias de quem quer que seja, mas que sente o bafo da morte a abreviar-lhe os dias e acusa o golpe, desperta o interesse do público recorrendo aos velhos truques de sequências rápidas, um protagonista convincente e um romance insólito, sem muito mais o que acrescentar de novo ao gênero, cada vez mais saturado, porém infinito.
Joe Flood é um desses assassinos em série capazes de exercer fascínio sobre pobres mortais que vivem de acordo com suas posses, não têm ninguém que se compadeça de seus dramas íntimos e, não raro, arrastam-se de um para outro hospital e procuram colocação à porta de empresas. Flood orbita um universo de glamour e fausto, mesmo em ação, como se assiste na primeira cena, quando aparece trajado a rigor para eliminar o chefão do crime organizado de Budapeste durante um recital de dança moderna.
É escusado dizer que ele sai ileso, ainda que enfrente um batalhão de gângsteres, e quase não se dê por sua presença opulenta de 109 quilos distribuídos em 1m94 de altura, a não ser pela vertigem que o obriga a arrastar-se por uma longa e ingreme escadaria forrada de veludo encarnado, um bem-vindo toque de Brian De Palma a mesmice do roteiro de James Coyne e Rand Ravich, adaptado do romance homônimo de Jay R. Bonnansinga, de 1997. É percebido apenas por Maize Arnaud, a primeira dançarina do espetáculo, que ele põe no colo e carrega em segurança até a rua, onde já se forma uma aglomeração.
Perry coloca seu protagonista num tomógrafo e explica que Flood foi acometido por uma doença neurodegenerativa que o levará à morte em três meses. Esse é rigorosamente o mesmo argumento usado por Michael Keaton em “Pacto de Redenção” (2023), e, para disfarçar, o diretor inclui a dependência emocional do anti-herói a Zvi Rabinowitz, o mentor interpretado por Ben Kingsley, casado com a espirituosa Sharon, de Alex Kingston.
O longa para Kingsley parece um daqueles célebres casos de letras miúdas em contratos obscuros, ao passo que a veia comica de Kingston é sufocada pelos caóticos 104 minutos. Dave Bautista e Sofia Boutella, por seu turno, têm alguma química, mas é impossível crer que ninguém vá atrás de Flood depois que ele resolve virar a página de seu histórico nebuloso e ajudar a nova cônjuge na escolinha de dança que ela pretende abrir. No último instante, um diálogo entre os dois ratifica essa sensação, e aí tem-se claro que “O Jogo do Assassino” é um embuste mortal.
★★★★★★★★★★