Anti-faroeste com Kate Winslet, indicado a 41 prêmios, está na Netflix e vale cada milésimo de segundo do seu tempo Divulgação / Film Art Media

Anti-faroeste com Kate Winslet, indicado a 41 prêmios, está na Netflix e vale cada milésimo de segundo do seu tempo

Myrtle Dunnage retorna a Dungatar como uma figura quase espectral. Preferindo ser chamada de Tilly, mesmo depois de três décadas e carregando uma bagagem repleta de lembranças dolorosas, ela volta ao vilarejo fictício no interior da Austrália, criado pela autora Rosalie Ham, sob o pretexto de cuidar de sua mãe enferma, com quem não tem contato desde a infância. No entanto, a verdadeira intenção de Tilly é buscar um fragmento de dignidade. Ser uma costureira de grande prestígio agora pouco importa. Seu desejo é também libertar-se das paixões primitivas que o título desta obra, cheia de personalidade e carregada de um humor excêntrico, sugere. “A Vingança Está na Moda”, uma espécie de faroeste estilizado, aborda a tragédia interna de uma mulher que esconde suas cicatrizes emocionais por trás de metros de tecidos primorosamente costurados, quase como se fossem criações de alta-costura parisiense.

Sob a direção de Jocelyn Moorhouse, as peripécias de Tilly ganham vida, baseadas no romance “A Modista” de Rosalie Ham, publicado em 2000. A cineasta constrói sua protagonista como uma figura que, ao mesmo tempo em que anseia por afeto, erige barreiras contra tudo e todos. Esse conflito interno se intensifica quando ela resolve fincar raízes na terra que a havia expulsado. No roteiro, coescrito com seu marido P.J. Hogan (conhecido pela icônica comédia romântica “O Casamento de Muriel” de 1994), Moorhouse incorpora um feminismo moderno, sem abrir mão do charme e da leveza. A obra captura o espírito do tempo, criando espaço para reflexões filosóficas sobre o amor e seu poder de cura emocional — uma combinação que, sem dúvida, atrai e cativa o espectador.

Histórias de mulheres em busca de vingança vêm ganhando destaque na cena cinematográfica contemporânea, como exemplificado por “Bela Vingança” (2020), o thriller de Emerald Fennell que garantiu o Oscar de Melhor Roteiro Original, e “Mademoiselle Vingança” (2018), de Emmanuel Mouret, inspirado na obra iluminista “Jacques, o Fatalista e Seu Amo”, escrita por Denis Diderot em 1778. Essas produções apontam para uma tendência crescente na exploração das questões de retaliação feminina. Em “A Vingança Está na Moda”, Moorhouse e Hogan parecem determinados a adicionar suas próprias peculiaridades ao estilo que remete às esquisitices de Tim Burton e David Lynch.

O que Tilly realmente pretende ao voltar a Dungatar permanece um mistério durante boa parte do filme, deixando o público intrigado. Ao longo da narrativa, ela se revela como uma justiceira que suprime habilmente seus impulsos sombrios, dotada de uma impressionante capacidade de identificar aliados e inimigos enquanto revisita seu passado. Logo no início, há uma cena emblemática em que Tilly chega à casa decrépita de sua mãe, Molly, que está doente e mentalmente instável. A protagonista aparece vestindo um traje impecavelmente equilibrado em tons claros e escuros, complementado por um chapéu de abas largas que evoca o estilo clássico de Chanel — embora o sargento Farrat, o homem encarregado de manter a ordem no vilarejo, sugira que ela esteja usando um autêntico Dior.

O personagem de Hugo Weaving, o sargento Farrat, também é uma figura complexa, e a diretora usa isso com habilidade para transformar Weaving em algo mais do que um excêntrico coadjuvante. A química entre ele e Tilly rouba a cena repetidamente, ofuscando até mesmo a atuação notável de Judy Davis como Mad Molly, que oferece um equilíbrio entre o humor e o trágico.

Kate Winslet, após conquistar o Oscar de Melhor Atriz por seu papel como a enigmática colaboradora nazista em “O Leitor” (2008), de Stephen Daldry, retorna às telas com uma personagem igualmente intrigante, mas menos sombria. Sua atuação como Tilly é complementada pelos figurinos magníficos de Margot Wilson, que adicionam uma camada de glamour e sofisticação à trama. Embora o desenlace do filme seja, em muitos aspectos, previsível, envolvendo uma dose significativa de violência, o toque sensual e emocional faz com que a jornada de Tilly seja irresistivelmente cativante. Quanto mais ela se integra à comunidade grotesca e mesquinha de Dungatar, mais ela busca uma espécie de compensação emocional, que encontra na reciprocidade do afeto de Teddy McSwiney, o jovem agricultor interpretado por Liam Hemsworth.

Embora Tilly tenha consciência da diferença de idade — 14 anos mais velha que Teddy — e do peso das amarguras que carrega, ela se permite entregar-se ao amor, sabendo que esse risco sempre esteve presente. Em um mundo onde a vingança é a palavra de ordem para muitas mulheres, o amor ainda parece manter seu lugar nos corações de mulheres de todas as idades, em um universo que, apesar de seus desafios, ainda oferece espaço para sonhar.


Filme: A Vingança Está na Moda
Direção: Jocelyn Moorhouse
Ano: 2015
Gêneros: Comédia/Faroeste
Nota: 9/10