Indicado a 21 prêmios, drama épico desesperador de Pablo Agüero baseado em terror real está na Netflix Divulgação / Sophie Dulac Productions

Indicado a 21 prêmios, drama épico desesperador de Pablo Agüero baseado em terror real está na Netflix

Através dos séculos, muitos grupos minoritários foram alvo de perseguições intensas, que resultaram em sofrimentos e tragédias profundas. Entre os séculos 12 e 18, a Inquisição, um instrumento punitivo da Igreja Católica Apostólica Romana, tornou-se sinônimo de horror ao condenar à morte aqueles considerados hereges, especialmente mulheres cujos comportamentos eram vistos como desviantes ou demoníacos.

Aproximadamente 100 mil mulheres, rotuladas como bruxas, foram sacrificadas em fogueiras, deixando marcas indeléveis de dor e desonra que afetaram profundamente suas famílias, apagando seus nomes da história. Em alguns casos, uma suposta clemência era concedida: aquelas que confessavam pactos com o diabo eram estranguladas antes de serem queimadas.

Esse episódio sombrio da história, que pode ser descrito como genocídio, é revivido no filme “Silenciadas” (2020), dirigido por Pablo Agüero, que expõe a brutalidade da caça às bruxas em sua forma mais crua. A narrativa do filme, situada no século 17, traz à tona a intolerância que, ainda hoje, marca a vida de muitas minorias. Nos registros históricos, muitas dessas mulheres acusadas de bruxaria eram de origem judaica, muçulmana ou cristãs marranas — aquelas que, forçadas pelas circunstâncias, adotavam a religião cristã publicamente, mas mantinham suas crenças ancestrais em segredo.

Além disso, muitas delas eram homossexuais, e, por vezes, pertenciam a famílias ricas, cujas propriedades eram confiscadas pela Igreja. Esse processo não apenas consolidava o poder financeiro da Igreja, mas também reforçava seu domínio ideológico, ambos controlados por homens. Foi necessário o surgimento de movimentos filosóficos como o humanismo e o iluminismo, que priorizavam a razão e a liberdade individual, para começar a desafiar e conter esses abusos de poder. Contudo, somente com a Revolução Francesa, iniciada em 1789, a barbárie foi finalmente interrompida.

“Silenciadas”, na Netflix, oferece uma visão contundente da eliminação do “diferente” na sociedade do século 17. Nesse contexto opressor, as mulheres eram vistas como o inimigo a ser eliminado. Desde a figura bíblica de Eva, a mulher sempre foi associada tanto à criação quanto à tentação e à perversidade. No filme, Agüero, juntamente com a co-roteirista Katell Guillou, retrata a Espanha como um vasto feudo onde a Igreja é subserviente à Coroa. Filipe III, que governava na época, é apresentado como uma figura quase divina, e qualquer desafio à sua autoridade era impensável.

Ao final da narrativa, o desejo de maior autonomia por parte do padre Cristóbal, membro da comitiva inquisitorial, é abafado pelo conselheiro Rostegui, demonstrando a constante luta pelo poder entre as forças da Igreja e da nobreza. A história é ancorada na obra “A Feiticeira” (1862), de Jules Michelet, que enfatiza o controle da nobreza sobre a religião, destacando a necessidade da Igreja de enfrentar novos desafios para sobreviver.

Agüero demonstra um cuidado especial ao explorar as motivações por trás da perseguição a jovens como Ana, a líder das acusadas. Ana, uma jovem que, por sua beleza e independência em um mundo dominado por homens, torna-se uma ameaça. Em uma cena na floresta, onde Ana e suas amigas discutem abertamente temas tabus como o romance e a sexualidade, fica claro que essas jovens não temem as consequências de viver suas vidas plenamente, um contraste marcante com a sociedade repressora em que vivem.

O filme termina com a evocação das imagens clássicas das bruxas voando e a ligação entre o misticismo pagão e o fogo. As bruxas, que usavam o fogo em seus rituais, acabam sendo silenciadas pelo mesmo elemento, caindo vítimas de uma sociedade ignorante e hipócrita, incapaz de compreendê-las ou aceitá-las — muito menos de perdoá-las pelo simples ato de viver e de reivindicar sua liberdade.


Filme: Silenciadas
Direção: Pablo Aguero
Ano: 2020
Gênero: Drama/Obra de Época
Nota: 9/10