A melhor história de vampiro que você assistirá em toda a sua vida está na Netflix Jasin Boland / Universal Pictures

A melhor história de vampiro que você assistirá em toda a sua vida está na Netflix

Em tudo quanto se refere aos vampiros, sem dúvida o que mais fascina é o confronto entre o que se sabe da atuação mitológica dessas criaturas e sua natureza humana, caso de Drákul, cuja bravura nas tantas guerras ao longo da Idade Média (476-1453) é celebrada nos contos góticos do século 18. 

Para além do clichê, Drákul, esse homem que encerra mistérios de outras dimensões, tornou-se célebre também pelo amor à família, a quem devotava um sentimento quase obsessivo, que servia-lhe de pretexto ao derramamento de sangue. O irlandês Gary Shore assinala passagens que os livros não registram em torno de Vlad Tepes em “Drácula: A História Nunca Contada”. 

Num roteiro que prima por fugir da caricatura, mérito de Burk Sharpless e Matt Sazama, o monarca, também conhecido pela alcunha nada sutil de Vlad 3º, o Empalador (1431-1476), é revelado nos episódios mais íntimos de sua vida pelo primogênito, que, segundo se especula, teria garantido a continuidade dos feitos do pai, uma era de pânico durante a qual ser influente poderia ser a diferença entre a vida e a morte.

Muito antes de se permitir levar pelo reducionismo estúpido do consenso, há que se ter claro o porquê de certas figuras trazerem em seu rastro tamanha carga de polêmica, o que não significa que não devam ser submetidas ao julgamento da História. 

Pela lente de Shore, Vlad 3º ganha o verniz de um herói byroniano, mas à medida que a história avança e o espectador conhece um pouco melhor o personagem, nota-se que Vlad, um ex-soldado que combatera nas hostes da Transilvânia ainda menino, quando fora sequestrado pelos turcos, é agora um homem de posses e cheio de traumas. Esse caráter forjado à custa de autossacrifícios explicaria a propensão para o temperamento bárbaro, muito de acordo com o que vivia no Medievo, era de confesso menoscabo por sofisticações filosóficas como a defesa dos direitos humanos e das liberdades individuais. 

A ambivalência moral de Vlad 3º, que foi se fazendo conhecer por um sobrenome que virou um dos símbolos do terror, é incorporada com garbo viril por Luke Evans. A certa altura, ele explica que Drákul quer dizer “filho do dragão”, ser fantástico que remete a Deus em alguns povos antigos; todavia um sacerdote esclarece que esse é outro dos muitos enganos cometidos quando a trajetória do protagonista vem à luz. 

As sequências de batalhas e intrigas extraoficiais — momento em que Dominic Cooper brilha como Mehmed — eclipsam o amor de Vlad 3º por Mirena, de Sarah Gadon, mas são um bom respiro em meio à trama de verdadeiro horror por trás desse homem que fez tudo a sua maneira. E pagou caro por isso. 


Filme: Drácula: A História Nunca Contada
Direção: Gary Shore
Ano: 2014
Gêneros: Terror/Fantasia 
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.