Em tudo quanto se refere aos vampiros, sem dúvida o que mais fascina é o confronto entre o que se sabe da atuação mitológica dessas criaturas e sua natureza humana, caso de Drákul, cuja bravura nas tantas guerras ao longo da Idade Média (476-1453) é celebrada nos contos góticos do século 18.
Para além do clichê, Drákul, esse homem que encerra mistérios de outras dimensões, tornou-se célebre também pelo amor à família, a quem devotava um sentimento quase obsessivo, que servia-lhe de pretexto ao derramamento de sangue. O irlandês Gary Shore assinala passagens que os livros não registram em torno de Vlad Tepes em “Drácula: A História Nunca Contada”.
Num roteiro que prima por fugir da caricatura, mérito de Burk Sharpless e Matt Sazama, o monarca, também conhecido pela alcunha nada sutil de Vlad 3º, o Empalador (1431-1476), é revelado nos episódios mais íntimos de sua vida pelo primogênito, que, segundo se especula, teria garantido a continuidade dos feitos do pai, uma era de pânico durante a qual ser influente poderia ser a diferença entre a vida e a morte.
Muito antes de se permitir levar pelo reducionismo estúpido do consenso, há que se ter claro o porquê de certas figuras trazerem em seu rastro tamanha carga de polêmica, o que não significa que não devam ser submetidas ao julgamento da História.
Pela lente de Shore, Vlad 3º ganha o verniz de um herói byroniano, mas à medida que a história avança e o espectador conhece um pouco melhor o personagem, nota-se que Vlad, um ex-soldado que combatera nas hostes da Transilvânia ainda menino, quando fora sequestrado pelos turcos, é agora um homem de posses e cheio de traumas. Esse caráter forjado à custa de autossacrifícios explicaria a propensão para o temperamento bárbaro, muito de acordo com o que vivia no Medievo, era de confesso menoscabo por sofisticações filosóficas como a defesa dos direitos humanos e das liberdades individuais.
A ambivalência moral de Vlad 3º, que foi se fazendo conhecer por um sobrenome que virou um dos símbolos do terror, é incorporada com garbo viril por Luke Evans. A certa altura, ele explica que Drákul quer dizer “filho do dragão”, ser fantástico que remete a Deus em alguns povos antigos; todavia um sacerdote esclarece que esse é outro dos muitos enganos cometidos quando a trajetória do protagonista vem à luz.
As sequências de batalhas e intrigas extraoficiais — momento em que Dominic Cooper brilha como Mehmed — eclipsam o amor de Vlad 3º por Mirena, de Sarah Gadon, mas são um bom respiro em meio à trama de verdadeiro horror por trás desse homem que fez tudo a sua maneira. E pagou caro por isso.
Filme: Drácula: A História Nunca Contada
Direção: Gary Shore
Ano: 2014
Gêneros: Terror/Fantasia
Nota: 8/10