Desligue o cérebro: o filme ideal na Netflix para aqueles dias em que você não quer pensar em nada Divulgação / 20th Century Fox

Desligue o cérebro: o filme ideal na Netflix para aqueles dias em que você não quer pensar em nada

Em essência, tudo quanto se produz é medido pelo tempo, premissa que ganhou mais vigor científico há quase duzentos anos, quando Karl Marx (1818-1883) passou boa parte da vida a peregrinar de fábrica em fábrica, primeiro em sua Alemanha natal, depois na Inglaterra, para onde teve de partir num degredo forçado e doloroso, por causa do conteúdo francamente pouco dogmático de seus artigos.

Dentre os conceitos desenvolvidos por Marx está a mais-valia, que nada mais é que o tempo que se leva para que uma mercadoria fique pronta, ideia surrada de que Andrew Niccol lança mão no seu “O Preço do Amanhã” uma coleção de clichês e bizarrices. Os dias intermináveis e os anos, que correm sem dó de quem quer que seja, nem daqueles que aproveitam e muito menos dos que ousam perder tempo, entram na conta do marxismo rasteiro de Niccol de igual forma que para o industrial quando estima seu lucro, fundamento mesmo do capitalismo. O tempo que o trabalhador gasta para produzir alguma coisa — automóveis, creme dental, arranha-céus, filmes — nunca se converte em ganho para si, mas para quem o emprega. Pano rápido.

“O Preço do Amanhã” é uma perda de tempo na maior parte de seus 109 minutos. Will Salas, o personagem de Justin Timberlake, parece em algum lugar do futuro, em que, sem trocadilhos, tempo é mesmo dinheiro — o problema começa aí —, tanto que as pessoas (ou algo muito semelhante a isso) são programadas para ir até os 25 anos e pifar, tendo mais um ano de aviso prévio, com a opção de seguir no jogo desde que encontrem meios, legais ou não, de conquistar mais uma margem tênue para viver (?).

Injustamente envolvido na morte de Henry Hamilton, o grã-fino centenário vivido por Matt Bomer — esses neo-humanos param de envelhecer aos 25 anos, lembre-se, e por essa razão, não estranhe o fato de Rachel, a mãe de Will, ser interpretada por Olivia Wilde —, dono de uma fortuna centenária muito bem aplicada, mas vítima de uma depressão que põe descorçoado da vida, Will conhece Sylvia, a personagem de Amanda Seyfried, filha de Philippe Weis, papel de Vincent Kartheiser, o homem mais rico do planeta, também dono de um patrimônio de séculos a perder de vista. É por meio dela que os dois, Will e a própria Sylvia, encontram a verdadeira razão de continuarem no mundo. Isso se sobreviverem ao ímpeto de vingança do vilão Raymond Leon, de Cillian Murphy, que preferia que as coisas se encaminhassem de outro jeito.

Ficções científicas vêm se especializando em tecer enredos cujo eixo central se move à volta do argumento da tecnologia que começa a serviço do homem, mas que, num lance um tanto aleatório do destino, torna-se sua inimiga figadal, vingando-se sabe Deus de quê. O maior dos filmes contemporâneos sobre o assunto sem dúvida ainda é “Ex_Machina: Instinto Artificial” (2014), magistralmente dirigido por Alex Garland a partir de seu próprio roteiro, e quem sabe este seja o trabalho definitivo sobre a questão. Gastaria muitos bits ainda falando sobre Ava, o dispositivo de inteligência artificial encarnado por Alicia Vikander, trancando um patético homo sapiens sapiens na caixa de vidro e concreto que ele julgava ser o próprio Éden, mas como gosto muito do meu emprego, volto à pauta.

Sempre que um personagem se referia ao valor de um produto ou serviço em unidades de tempo, eu me ria a bandeiras despregadas — mas meu riso foi perdendo força, contudo. A diária da suíte num hotel mequetrefe, por exemplo, custava um mês, e eu automaticamente pensava “um mês de trabalho, claro. Mas um mês de trabalho de quem? Do varredor de rua ou do banqueiro?”. E mais perguntas me vinham à roda do pensamento: “se só os endinheirados resistem, quem varre as ruas? Os menos ricos? E se entre esses houvesse os que desejassem trocar alguns anos (ou meses, sei lá) investindo num curso de confeitaria, abrissem uma fábrica de bolos, a longeva moda no comércio popular aqui no Brasil do hoje, e, de uma hora para a outra, perdessem tudo? Cairiam mortos, como se apodrecidos de repente? Isso para não falar de equívocos concretos, como o uso de fitas de VHS na armazenagem de um catatau dessas informações todas numa era que, imagino, esteja anos-luz à frente deste nosso insano século 21, triste momento da História em que quase um bilhão de homens, mulheres, crianças e velhos morrem não por falta de tempo para viver, mas de fome.

“O Preço do Amanhã” vale pelas excelentes atuações de Timberlake, melhor ator que cantor, e Seyfried. A química dos dois é mesmo magnética, e haja carisma para sustentar um filme sem-futuro como esse.


Filme: O Preço do Amanhã
Direção: Andrew Niccol
Ano: 2011
Gêneros: Ficção científica/Ação
Nota: 7/10