Ser um espírito livre genuíno em uma era em que poucas almas nobres chegavam ao mundo envoltas em preconceito exponencialmente maior do que hoje era um desafio que nem todos podiam superar. Beatrix Potter (1866-1943), uma figura vibrante da Inglaterra na segunda metade do século XIX, revela seus lados mais sombrios em “Miss Potter”, uma obra que a retrata de forma incisiva, lutando pela independência enquanto busca se libertar do domínio daqueles que acham que sabem o que é melhor para ela, expressando sentimentos e percepções sobre o mundo ao seu redor.
Chris Noonan tem o talento de extrair lirismo de onde outros só veem banalidade e ironia, sendo alvo de julgamentos até hoje por “Babe — O Porquinho Atrapalhado” (1995), uma fábula sobre a urgência nietzschiana de tornar-se quem se é, transmutada para uma mulher terna, mas firme em seus méritos. Isso, obviamente, assustava e enfurecia homens de 160 anos atrás, apesar de Potter ter tido a oportunidade de experimentar o amor e escapar por pouco de uma paixão inesperada. Noonan usa recursos inventivos, como pinceladas de animação, para mergulhar no cerne de sua protagonista, fazendo com que os personagens criados por ele ganhem vida, saindo das páginas de seus contos para nos convidar a uma dança sem fim, embora o roteiro de Richard Maltby Jr. deixe claro que a vida da autora não foi um mar de rosas.
Uma solteirona peculiar. É assim que a sociedade de South Kensington, a oeste do centro de Londres, vê Potter e seus cadernos preenchidos com adoráveis coelhinhos, uma obsessão que, anos depois, define seu futuro profissional. Renée Zellweger confere à figura doce e atormentada da escritora, ilustradora e especialista em fungos uma confusão natural e repleta de possibilidades, lembrando vagamente a loira (quase) angelical Roxie Hart da versão de Rob Marshall para “Chicago” (2002), uma empreitada que transporta para o cinema, com adaptações, a mágica do que era visto nos palcos, estabelecendo-se como uma das realizadoras de Hollywood que melhor personificou a aura feérica e glamorosa das manifestações artísticas.
Enquanto Roxie Hart livra-se do amante que já não a procurava e convence o marido a bancar sua defesa, Beatrix Potter parece dolorosamente solitária na vida, até que Norman Warne, o sócio mais jovem da editora que ela fundou, manifesta interesses além dos profissionais. Ewan McGregor entra na trama disposto a aplacar a solidão de sua parceira comercial e, ao fazê-lo, inspira aspirações românticas no público que se encaixam perfeitamente na história. Warne foi essencial para consolidar Potter como uma escritora de sucesso, com “A História de Pedro Coelho” (1901), um marco na literatura infantil, embora sua sorte no amor mude de maneira drástica.
Filme: Miss Potter
Direção: Chris Noonan
Ano: 2006
Gêneros: Romance/Drama/Biografia
Nota: 9/10