Filme de franquia que redefiniu o sinônimo de medo está na Netflix Divulgação / Jogos Mortais 2

Filme de franquia que redefiniu o sinônimo de medo está na Netflix

A jornada de um facínora inclemente começa a fazer algum sentido em “Jogos Mortais 2”, depois de um prólogo confuso, sensação que se repete no transcurso do decálogo (!) que narra os traumas e as reações de um assassino em série oculto sob a máscara de porco que o abriga e realizado ao trucidar desafetos numa portentosa moenda de carne. O filme de Darren Lynn Bousman dedica-se a tapar muitas das lacunas abandonadas sem cobertura em “Jogos Mortais” (2004), de James Wan, ao passo que não perde a oportunidade de absolver seu vilão, um homem já entrado em anos, vulnerável, impotente, que desconta suas frustrações em qualquer um que não capte de imediato seu poder maléfico. A essência de Jigsaw, o maníaco encarnado por Tobin Bell, aflora sem pressa nenhuma no roteiro de Bousman e Leigh Whannell, restando evidente que sua carreira de predador, malgrado um ou outro solavanco, é imperturbável.

A fotografia de David A. Armstrong, quase sempre abusando do verde e do azul, adorna a sala onde os jogadores são instados a derramar seu sangue em oferenda para que saiam vivos para a próxima fase. Michael Marks, o primeiro desafiante, aparece com o olho dilacerado ao cabo de uma longa sessão de anestesias, e essa analogia fica ainda mais incômoda no momento em que uma radiografia mostra o onde está a chave que o libertaria do cativeiro. Bousman sufoca falsos moralismos e carrega nas tintas da escatologia, até enveredar de vez na perseguição a que o antagonista se lança contra o grupo de pessoas que se juntam aleatoriamente. O personagem de Noam Jenkins é uma espécie de cartão de visitas para as perversões que enchem o segundo ato, virada na qual Obi Tate, o tipo estranhíssimo interpretado por Tim Burd, também acaba mal.

Bell continua sendo das melhores coisas da franquia. Em “Jogos Mortais 2”, John Kramer surge padecendo de um câncer em estágio avançado, mas com o fôlego o bastante para atazanar a vida de todos quantos atravessam seu caminho. Esse Hannibal Lecter revisitado é cruel, sim, mas a diferença do lendário papel eternizado por Anthony Hopkins, Kramer é visivelmente um angustiado, que mata para suprir necessidades afetivas. Isso fica ainda mais inequívoco quando Kramer resolve confrontar Eric Matthews, o policial corrupto de Donnie Wahlberg, abandonado pela esposa e odiado pelo filho, Daniel, com Erik Knudsen servindo de excelente complemento ao âmago de tragédia na figura representada pelo matador bestial e solitário.


Filme: Jogos Mortais 2
Direção: Darren Lynn Bousman
Ano: 2005
Gêneros: Terror/Mistério
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.