Famílias podem rimar com violência em suas mais diversas acepções, especialmente quando um dos membros já tem esse pendor para acertos de contas que a Justiça não consegue alcançar. A vida de um homem balança entre a paz dos cemitérios e a guerra particular que trava com demônios de um passado que não passa, deixando-se tomar pela necessidade de reparação que vira sua razão de continuar vivo. “Xtremo” acompanha a jornada desse anti-herói furioso, mas que assim mesmo inspira pena por tudo quanto poderia ter sido e não foi, por sua culpa, sim, mas também devido à interferência cruel de quem tinha por mais que um amigo. Trabalhando por instrumentos, Daniel Benmayor não tem maiores dificuldades em aprofundar-se no mundo dialeticamente estranho de seu protagonista, um homem acostumado ao crime que tentava um novo rumo, mas, como sói acontecer, se vê presa de contratempos que não poupariam nem a mais imaculada das criaturas.
Uma tomada aérea de Barcelona à noite, com destaque para a Catedral da Sagrada Família, muito bem iluminada, é a forma que o roteiro de Iván Ledesma acha para explanar de pronto a grande ironia, ora sutil, ora escancarada, que atravessa todo o filme, crônica sangrenta de afetos malogrados. A câmera segue seu périplo pelas ruas da capital da Catalunha até que um telefone começa a tocar; Rafa, o chefão do submundo espanhol vivido por Andrés Herrera, dispõe de um método bastante sui generis de infundir autoconfiança no filho enquanto se dirige para o final da Rambla, onde se localiza o Porto. É lá que acontece o primeiro grande conflito da história, o pagamento de meio milhão de euros pelo resgate de um lote com produtos retidos na alfândega e contêineres recheados de droga, confirmando a vocação crítica do texto de Ledesma, que faz questão de deixar o enredo ainda nebuloso e temperado de um ácido politicamente incorreto mencionando negociações com bandidos colombianos com quem Lucero, o gângster interpretado por Óscar Jaenada, é encarregado de tratar. Ele leva uma mala onde, supõe-se, está o dinheiro, mas o que se vê desencadeia a sucessão de truculência e barbárie vista na sequência, decerto a marca um tanto óbvia de um filme com esse título. A ação se prolonga num laboratório químico ao lado do galpão onde delinquentes de facções rivais se digladiam e um daqueles tipos pega fogo, para que, enfim, a cena arrefeça e Benmayor tenha a chance de esclarecer alguns pontos.
Maximo, o assassino a soldo de Teo García, surge na trama quase contra a vontade, inconformado por ter de outra vez sujar as mãos com o sangue imundo da escória; contudo, dessa vez sua interferência em questões dos reis do crime remonta ao motivo mais importante que poderia existir. Exatamente como seu personagem, García supera supostas dificuldades em contrabalançar vilania e honradez num das produções mais efervescentes do cinema espanhol, que vem adquirindo proeminência também nesse nicho.
Filme: Xtremo
Direção: Daniel Benmayor
Ano: 2021
Gênero: Ação/Policial/Drama
Nota: 8/10