Proibido rir? A comédia mais polêmica dos últimos tempos está na Netflix Divulgação / Universal Pictures

Proibido rir? A comédia mais polêmica dos últimos tempos está na Netflix

Uma adaptação para as telas do primeiro conto do livro “Decameron”, de Giovanni Boccaccio, “A Comédia dos Pecados” é uma produção um tanto quanto cínica e provocativa sobre a hipocrisia religiosa e o falso moralismo.

Ambientado na renascentista Itália do século 14, o filme gira em torno de um convento, na Toscana, habitado por jovens freiras. A frágil paz daquele lugar é abalada com a chegada de Masseto (Dave Franco), um jovem belo e sensual, que está foragido de seu patrão, Lord Bruno (Nick Offerman), que mandou seus guardas o castrar após flagrá-lo com sua esposa.

Depois de fugir do castelo onde trabalhava, Masseto se esconde nas florestas, onde encontra o padre Tomasso (John C. Reilly) embriagado. O padre havia perdido algumas peças artesanais feitas pelas freiras ao descontrolar de sua carroça por ter bebido vinho demais. No encontro, Tomasso e Masseto se tornam amigos e o clérigo o leva para morar e trabalhar no convento sob uma condição: ele não pode conversar com as freiras, portanto, deve se fingir de surdo-mudo.

Mesmo sem deixar escapar nenhuma palavra, a presença do jovem é suficiente para fazer fervilhar os hormônios reprimidos daquele pequeno grupo de mulheres entediadas. Masseto se interessa por Alessandra (Alison Brie), que corresponde ao afeto. Mas o rapaz também é assediado por Fernanda (Aubrey Plaza) e Marta (Jemima Kirke), duas freiras aventureiras e malcomportadas que querem explorar algumas lendas místicas e rituais pagãos em louvor à sexualidade. Logo Masseto se vê cobaia dessas mulheres cheias de tesão guardado e em rebelião.

Após seu lançamento, o filme foi rechaçado pela Liga Católica, mas vale lembrar que sua fonte de inspiração, o “Decameron”, foi escrito há cerca de 700 anos. Com diversas simbologias em seu contexto, o livro de Boccaccio marcou o fim do moralismo ligado à religião na literatura e expôs as humanidades inerentes de qualquer um. Ninguém é perfeito ou santo, nem mesmo autoridades religiosas. Pela sua sinceridade, o escritor influenciou outros autores, como Shakespeare e Molière.

Apesar de ser baseado no conto de Boccaccio, o diretor e roteirista Jeff Baena, que é marido da atriz Aubrey Plaza, não entregou os diálogos prontos para o elenco. O roteiro apenas contava a história. As falas foram completamente improvisadas. Ou seja, a inspiração foi bem livre. É perceptível como os atores pareciam à vontade, espontâneos e se divertindo neste filme.

Embora seja ousado e atrevido, há um ar de despretensão em “A Comédia dos Pecados”, como se tivesse sido feito por Baena por lealdade a si próprio e amor pelo cinema, não por premiações ou para agradar a crítica. O longa-metragem é um ar fresco revigorante em meio à tanta coisa sem originalidade e humor forçado em Hollywood. Parece ser um filme feito por amigos e por prazer. E o melhor, há muita intelectualidade e a discussão se abre para infinitas interpretações e possibilidades.

É interessante como uma história que se passa nos anos de 1300 consegue abordar temas tão atuais, como a objetificação da mulher, sua repressão sexual e como seus destinos são impostos, não escolhidos, sejam por famílias, pelo governo, pela religião. “A Comédia dos Pecados” não vai agradar todo mundo, mas como toda arte, provoca reações extremas. Você pode se sentir incomodado, representado, ofendido, animado ou até mesmo entediado. O importante é que você sempre vai sentir alguma coisa com este filme.


Filme: A Comédia dos Pecados
Direção: Jeff Baena
Ano: 2017
Gênero: Comédia
Nota: 9/10