“O Menino do Pijama Listrado” parte de uma escolha narrativa que parece simples, mas carrega consequências éticas profundas: acompanhar o nazismo a partir do olhar de uma criança que não compreende o sistema que organiza o mundo ao seu redor. Bruno, vivido por Asa Butterfield, não funciona como metáfora abstrata da inocência, e sim como um garoto comum, entediado, curioso e frequentemente confuso. O deslocamento de Berlim para o interior não é percebido por ele como punição política, mas como perda concreta: amigos, ruas conhecidas, rotina. Esse recorte é decisivo, porque o filme não pede empatia pelo sofrimento histórico em termos grandiosos, e sim pela experiência mínima de alguém que não entende por que a realidade mudou de forma tão brusca.
A infância aqui não serve para suavizar o horror, mas para torná-lo mais instável. Bruno não reconhece símbolos, hierarquias ou discursos. Ele observa cercas, roupas estranhas, pessoas que não podem brincar. O espectador, ao contrário, sabe exatamente o que cada elemento significa. Essa assimetria produz tensão constante. O filme não constrói suspense tradicional, mas um mal-estar contínuo, sustentado pela distância entre o que Bruno percebe e o que o público compreende desde o início.
Família, poder e normalidade
O pai de Bruno, interpretado por David Thewlis, é um oficial nazista encarregado de administrar um campo de concentração. Ele não surge como figura histérica ou caricata, mas como alguém disciplinado, educado e seguro de suas convicções. Essa escolha retira qualquer conforto moral fácil. O horror não vem de um desvio psicológico, mas da normalização da violência como função administrativa. O trabalho dele é organizado, racional, quase doméstico. Janta com a família, elogia os filhos, fala de dever.
A mãe, vivida por Vera Farmiga, ocupa um espaço mais ambíguo. Inicialmente tenta preservar uma rotina familiar estável, evitando confrontar o significado real do lugar onde vivem. Sua trajetória é marcada por desconforto crescente, não por coragem imediata. O filme não a absolve nem a condena explicitamente, mas a retrata como alguém que percebe tarde demais o custo moral da própria omissão.
Já a irmã mais velha, Gretel, interpretada por Amber Beattie, encarna a adesão juvenil ao discurso nazista. Seu entusiasmo não nasce de ódio elaborado, mas de pertencimento, vaidade e desejo de reconhecimento. O contraste entre os irmãos reforça a ideia de que a formação moral não é automática, tampouco neutra.
A amizade como ruptura
O encontro entre Bruno e Shmuel, vivido por Jack Scanlon, acontece por acaso, mas se mantém por insistência. Eles conversam separados por uma cerca, compartilham histórias banais, fome, saudade. Nenhum dos dois entende plenamente sua própria condição. Shmuel não explica o campo porque não possui linguagem para isso. Bruno não questiona o sistema porque sequer sabe que ele existe como ideologia.
Essa amizade não é idealizada como solução. Ela não transforma o mundo, não interrompe o horror, não educa adultos. Ela apenas existe. E justamente por isso se torna tão incômoda. Ao acompanhar essa relação, o filme sugere que a divisão entre vítimas e algozes não nasce na infância, mas é ensinada, repetida e reforçada por estruturas externas.
O desfecho e suas implicações
O último ato abandona qualquer ilusão de segurança. A decisão de Bruno de atravessar a cerca não é heroica, nem consciente. É resultado direto de sua incapacidade de entender o perigo, somada à lealdade infantil ao único amigo que encontrou naquele lugar. O impacto do final não depende de surpresa, mas de inevitabilidade. Tudo conduz àquele ponto desde o início.
“O Menino do Pijama Listrado” não oferece conforto histórico nem catarse moral. Ele encerra deixando uma pergunta incômoda: quantas atrocidades dependem apenas de adultos convencidos de que sabem o que é melhor, enquanto crianças tentam compreender um mundo que já decidiu por elas.
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