“Fique Rico ou Morra Tentando” parte de um ponto raramente confortável para o público médio: a ideia de que moralidade é luxo quando a sobrevivência vira prioridade. Marcus cresce num ambiente onde a mãe, Sabrina, negocia afeto e risco no mesmo pacote. Quando ela é assassinada num acordo mal resolvido, a infância acaba sem cerimônia. O garoto é puxado para a órbita de Levar, vivido por Bill Duke com uma autoridade silenciosa que dispensa gritos, e de Majestic, interpretado por Adewale Akinnuoye-Agbaje, presença que mistura carisma e ameaça constante. Não há glamour aqui, apenas a matemática crua do bairro: ou você dorme num porão improvisado ou dirige um carro que simboliza vitória momentânea. A narrativa deixa claro que o chamado “jogo” não seduz apenas pelo dinheiro, mas pela sensação de pertencimento e potência masculina, um rito torto de passagem social.
Violência sem verniz e masculinidade em conflito
Ao contrário do que muitos ataques sugerem, a violência não é fetichizada. Ela pesa. Um dos momentos mais duros surge na prisão, quando Marcus, agora interpretado por 50 Cent, recebe uma lâmina para se matar no isolamento. A frase “I thought about it” não pede aplauso, pede silêncio. É ali que o filme encontra sua força ética: reconhecer o abismo psicológico sem transformá-lo em espetáculo. Terrence Howard, como Bama, introduz outra ideia de sobrevivência, menos imediata e mais estratégica, oferecendo proteção e depois uma saída. O contraste entre Majestic e Bama desenha duas noções de poder: uma baseada no medo, outra na leitura fria do sistema. A masculinidade retratada não é heroica nem exemplar, é defensiva, construída sob ameaça permanente.
Do crime à música, atalhos e lacunas
O salto de Marcus do tráfico para o rap é direto demais, e essa crítica procede. O roteiro prefere o impacto simbólico à transição detalhada. Charlene, vivida por Joy Bryant, funciona como memória afetiva e promessa de outra vida, mas nunca como redenção romântica. A música surge menos como vocação artística e mais como estratégia de fuga possível, algo que dialoga com empregos mal pagos e becos sem saída. 50 Cent não atua com sofisticação técnica, isso é evidente, porém há um magnetismo contido que sustenta a trajetória. Viola Davis, como a avó, oferece um contraponto ético breve, porém essencial, lembrando que dignidade também existe fora do barulho.
O incômodo que explica o ódio
Talvez a reação agressiva venha do fato de que o filme não pede absolvição nem oferece conforto. Ele se recusa a ensinar lições edificantes fáceis e insiste em tratar a ascensão como exceção estatística, não como promessa coletiva. Comparações com “8 Mile” surgem porque ambos falam de saída, mas aqui o foco está menos no talento e mais no custo. Ele deixa não uma inspiração polida, e sim a pergunta incômoda sobre quantos talentos se perdem antes de qualquer chance aparecer. E talvez seja justamente isso que tanta gente não queira encarar.
★★★★★★★★★★




