Um engarrafamento em estrada americana, carros imóveis sob o sol e um sujeito de camisa xadrez rindo da própria má sorte apresentam Milo, caçador de pequenos devedores que paga as contas capturando gente que preferiria não rever. Dessa situação corriqueira nasce “Caçador de Recompensas”, estrelado por Gerard Butler e Jennifer Aniston e dirigido por Andy Tennant, que organiza o impasse central: um ex-marido contratado para levar a ex-mulher à cadeia descobre que a tarefa, aparentemente simples, envolve uma investigação jornalística capaz de colocar os dois na mira de criminosos armados.
A narrativa acompanha primeiro o cotidiano de Milo, ex-policial rebaixado à função de caçador de fianças, que dissipa o pouco que ganha em mesas de jogo e bravatas de bar. Quando surge a oportunidade de capturar Nicole, ele aceita o serviço como mistura de salário atrasado e revanche sentimental, imaginando algo direto: localizar a ex, algemá-la e dirigir até a delegacia. O reencontro desmente o plano: Nicole não foge só da Justiça, mas de pessoas dispostas a matá-la para que uma história de corrupção permaneça enterrada.
Depois da captura improvisada em um estacionamento, o enredo se desenrola como estrada com retorno mal sinalizado. Milo tenta manter o trajeto reto até a cadeia, vendo mentalmente a recompensa já gasta, enquanto Nicole tenta virar o carro na direção contrária, seguindo pistas sobre um suposto suicídio policial mal explicado. O veículo passa a funcionar como arena: ele aperta as algemas, ela tenta assumir o volante; ele tranca portas, ela inventa desculpas, marcadores falsos, compromissos que não existem. Cada parada em motel barato, cada volta à cidadezinha da morte suspeita, reduz a margem de manobra e torna o cerco ao casal mais apertado.
Desde o início, Nicole escolhe colocar a reportagem acima da própria segurança ao ignorar a intimação judicial para acompanhar uma fonte relutante. A motivação está em comprovar irregularidades envolvendo polícia e cassinos, preservar a credibilidade em uma redação que não confia plenamente em seu faro e fugir do rótulo de repórter de casos leves. O obstáculo não se limita ao ex-marido armado de mandato judicial: há toda uma cadeia de intermediários violentos vigiando estacionamentos, corredores de cassino, telefones. À medida que recados ameaçadores começam a surgir, o tabuleiro muda, e cada decisão apressada empurra Milo e Nicole mais perto da linha de tiro.
O humor nasce da total incapacidade dos dois de separar trabalho de rancores domésticos. Milo posa de sujeito desligado. Vive de apostas e pequenos golpes. Finge indiferença, mas aparece sempre que ela escorrega na lama ou rasga o vestido em plena fuga. Nicole ostenta independência rígida. Recusa a ajuda dele. Corrige cada observação, cada comentário atravessado. Ainda assim, acaba recorrendo, sem admitir, ao conhecimento que ele tem sobre armas, fugas, atalhos em bairros pouco recomendáveis. As discussões reabrem dívidas antigas e empurram sequências de perseguição que começam como brigas de casal e desaguam em tiros no estacionamento.
Na direção, Andy Tennant prefere uma abordagem visual que privilegia planos médios e closes discretos, mantendo Butler e Aniston quase sempre lado a lado, algemados ou não, como se a câmera insistisse em lembrar que nenhum deles consegue se afastar muito do outro, mesmo quando prometem o contrário. As discussões dentro do carro em movimento, filmadas com poucos cortes, reforçam a sensação de deslocamento constante; já as cenas de perseguição adotam uma montagem mais fragmentada, que sacrifica alguma clareza espacial, mas reforça o improviso das decisões, a pressa dos disparos e a incerteza sobre qual porta continua destrancada.
A produção apoia boa parte do peso dramático na dupla de estrelas. Butler interpreta Milo como um homem que decide rápido demais, guiado por orgulho ferido e pela necessidade de pagar dívidas, e recebe de volta consequências físicas imediatas: hematomas, carros destruídos, uma camisa que não sobrevive a meia hora de corrida e pancadas. Aniston constrói Nicole como profissional metódica que tenta organizar o caos com anotações e telefonemas, mas acaba engolida pelo ritmo do perigo. A entrada de Stewart, colega de redação vivido por Jason Sudeikis, cria um triângulo cômico alimentado por ciúme e mal-entendidos, que desvia a rota sem, no entanto, deslocar o centro da história.
Em determinado ponto, todas as escolhas tomadas no impulso convergem para um risco quase absoluto. Milo precisa optar entre entregar Nicole diretamente às autoridades, garantindo a recompensa e afastando cobranças de agiotas, ou seguir a investigação liderada por ela, colocando-se diante de um esquema que não entende bem. Nicole, ao mesmo tempo, pesa o custo de confiar em alguém acostumado a prendê-la, no sentido literal e no figurado. A hesitação aparece em enquadramentos que insistem em portas entreabertas, corredores estreitos, estacionamentos vazios em que um carro parado tanto pode significar abrigo quanto armadilha.
Nem todas as soluções dramáticas de “Caçador de Recompensas” alcançam a mesma força. Em vários trechos, o longa hesita quando precisa abordar o universo policial e jornalístico que apresenta, recuando para o conforto do casal que se provoca e se cutuca, em vez de encarar com mais firmeza o sistema de corrupção que mantém o enredo em movimento. Ainda assim, permanece o interesse de observar dois personagens obrigados a dividir carro, quarto, rota de fuga e passado. A narrativa estaciona em um corredor de cela, luz branca excessiva, algemas tilintando, enquanto Milo e Nicole calculam, calados, se permanecem adversários ou aceitam, pelo menos por ora, a condição de parceiros incômodos.
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