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Sequestro em Munique ganha um thriller tão claustrofóbico que fica difícil até piscar, na Netflix Divulgação / Constantin Film

Sequestro em Munique ganha um thriller tão claustrofóbico que fica difícil até piscar, na Netflix

“Setembro 5“ constrói seu argumento ao optar por um recorte espacial rigoroso: a crise no complexo olímpico de Munique só existe para o espectador porque Roone Arledge, interpretado por Peter Sarsgaard, Geoffrey Mason, vivido por John Magaro, Marvin Bader, papel de Ben Chaplin, e a tradutora Marianne Gebhardt, interpretada por Leonie Benesch, tentam compreender em tempo real uma sucessão de informações fragmentadas. O que ocorre do lado de fora chega apenas por transmissões instáveis, relatos truncados e imagens que não foram feitas para explicar, mas para registrar um caos cuja lógica nenhum deles domina inteiramente. Essa escolha narrativa faz com que o fato histórico seja processado pelo mesmo grau de incerteza que dominou aqueles que o acompanharam no momento em que tudo acontecia, sem a vantagem retrospectiva que costuma domesticar grandes tragédias para deixar o passado mais palatável.

A força do filme está na observação de como decisões editoriais se definem sob pressão, sem a pretensão de transformar jornalistas em figuras heroicas. Roone Arledge aparece como alguém consciente da dimensão política daquilo que transmite, mas sempre submetido ao pragmatismo: a questão não é formular interpretações amplas, e sim garantir que a audiência receba alguma forma de verdade antes que ela se perca na confusão dos acontecimentos. Geoffrey Mason, por outro lado, tenta equilibrar a necessidade de precisão com o receio de amplificar uma violência que ainda não compreende. Marianne Gebhardt se torna a consciência mais sensível do grupo justamente por ser quem traduz as mensagens da polícia alemã, percebendo a distância entre o que se diz e o que realmente se sabe. Esses personagens, interpretados com contenção, revelam a natureza tensa de um ambiente que lida com improviso contínuo.

A combinação entre imagens de arquivo e material encenado é conduzida por Tim Fehlbaum com uma intenção clara: criar fricção entre o que já faz parte da memória coletiva e o que permanece como lacuna. Essa justaposição produz desconforto porque recorda que toda cobertura jornalística opera com limites éticos difíceis de delimitar. A utilização das imagens originais conduz a um tipo de questionamento incômodo: até que ponto uma narrativa sobre violência histórica pode se sustentar sem recorrer ao impacto bruto dos registros reais? E, ao fazer isso, o filme reforça ou tensiona o modo como tragédias são convertidas em experiência estética de alto impacto? O diretor não oferece respostas, mas organiza seus elementos para que essa dúvida permaneça.

O filme também aborda, de forma indireta, a posição dos jornalistas diante da possibilidade de transformar terroristas em protagonistas involuntários. Esse debate aparece principalmente nos diálogos entre Roone Arledge e Marvin Bader, quando ambos ponderam se a visibilidade oferecida pela cobertura serve ao interesse público ou se apenas amplia a ambição de um grupo disposto a explorar a audiência global. A tensão entre informar e alimentar o espetáculo da violência é representada como um dilema permanente, não como uma disputa moral simplificada. O resultado não aponta para uma tese específica, mas expõe como a busca por neutralidade se torna impossível quando o mundo exige clareza de quem ainda não domina todas as variáveis.

O filme evita reconstruções grandiosas e se concentra no descontrole que acompanha qualquer transmissão ao vivo. Os cabos soltos, as máquinas volumosas de vídeo e a disputa por satélite funcionam como lembretes de que a tecnologia disponível era limitada, e justamente por isso a experiência do improviso estava mais exposta. O filme dedica atenção a esse aspecto técnico não como ornamento, mas como parte essencial da narrativa: as engrenagens da comunicação moldam o que o público entende e determinam as hesitações de quem tenta narrar acontecimentos cuja gravidade ultrapassa suas ferramentas.

No panorama mais amplo, “Setembro 5“ observa os efeitos de uma tragédia sem transformar a crise em metáfora. A abordagem se mantém fiel ao ponto de vista concreto dos profissionais confinados na sala de controle; não há tentativas de reconstruir o sofrimento das vítimas ou de oferecer leituras geopolíticas extensas. Essa contenção torna mais evidente a distância entre aqueles que informam e aqueles que vivem a violência, deixando claro o limite inevitável da mediação. Ao se restringir a esse espaço de tensão contínua, o filme propõe que acompanhar uma tragédia por telas e monitores não aproxima ninguém da realidade, apenas reorganiza os fatos de modo a torná-los compreensíveis para quem está distante.

A tragédia não é suavizada, tampouco dramatizada além dos registros disponíveis. A serenidade amarga de Jim McKay, reconhecível nas imagens de arquivo, funciona como síntese de uma cobertura que jamais encontrou equilíbrio entre urgência e compreensão. O impacto maior do filme está justamente na em não oferecer explicações finais: ele observa o acontecimento como um ponto de ruptura na história da comunicação ao vivo e sugere que, desde então, a relação entre notícia, audiência e violência só se tornou mais complexa.

Filme: Setembro 5
Diretor: Tim Fehlbaum
Ano: 2024
Gênero: Drama/História/Suspense/Tragédia
Avaliação: 9/10 1 1
★★★★★★★★★
Fernando Machado

Fernando Machado é jornalista e cinéfilo, com atuação voltada para conteúdo otimizado, Google Discover, SEO técnico e performance editorial. Na Cantuária Sites, integra a frente de projetos que cruzam linguagem de alta qualidade com alcance orgânico real.